Crítica


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Sinopse

O diretor Renato Sircilli acompanha a vida de seu amigo, Bruno, durante quatro anos. Sircilli filma em busca de uma espécie de catarse, refletindo sobre as inquietações dos momentos da vida de transição, em que se espera por algo grandioso acontecer. Porém, a mãe de Bruno falece em meio as filmagens. O filme, então, se torna sobre o medo do esquecimento, a partir da perda da mãe, que deixou nenhum vestígio em vídeo para trás.

Crítica

Em uma troca de mensagens online, o diretor Renato Sircilli pede ao ator Bruno Moreno que conte a ele um pouco sobre sua mãe, revelando estar gravando o depoimento para deixar clara a origem da história do filme no qual ambos trabalham há tempos. Pois, para o realizador, “só a ficção não estava dando conta”. Essa cena de abertura já expõe bastante da proposta metalinguística de Fôlego, projeto que se iniciou com Sircilli acompanhando a vida do amigo Bruno por quatro anos em busca do encontro natural com algum momento de catarse. A morte da mãe do ator, em meio às filmagens, porém, provoca uma transformação na obra, que passa a investigar o processo de enfrentamento do luto e a busca pela preservação da memória materna, se misturando também aos questionamentos particulares de Sircilli sobre a finitude das coisas que o cercam.

Uma considerável parte da narrativa se dedica ainda a mergulhar no próprio processo criativo do longa, repleto de incertezas e mudanças de rumo, tendo como palco a tela do computador de Sircilli. Através das janelas abertas em sua área de trabalho, o cineasta, simultaneamente, analisa arquivos, fotos e vídeos, pesquisa referências visuais, músicas para a trilha sonora, e deixa no ar algumas divagações filosóficas entre as mensagens trocadas com Bruno. Apesar do conteúdo muitas vezes pessoal dessas conversas, a forma como são exibidas – nas palavras digitadas na tela – faz com que, mesmo quando embaladas pelas músicas pop que tocam paralelamente nos clipes vistos Youtube, transmitam certo distanciamento, frieza. Algo acentuado pelo fato de um dos interlocutores, o diretor, permanecer como personagem oculto, exceto pela foto em seu perfil de WhatsApp.

Bruno, em contrapartida, surge sempre como uma figura concreta, passando da voz nas mensagens de áudio à total presença física nas imagens documentais registradas em seu cotidiano e nas reencenações ficcionais das mesmas. O interesse em suas tatuagens, revelado nas conversas, se materializa, com câmera inquieta de Sircilli permanecendo sempre próxima ao corpo do ator, bem como aos corpos dos outros personagens em cena – seja na orgia, no banho, nos amassos da balada ou nos ensaios do grupo de teatro. Nos momentos solitários, de maior introspecção, o corpo também é objeto central – com Bruno tingindo a barba ou perfurando a orelha com uma agulha – na busca por expressar sua angústia e desejos por meio da fisicalidade e não da verbalização. As palavras, quando surgem, vêm dos relatos reais do ator sobre sua infância e a convivência com a mãe, carregados de um sentimento de medo do esquecimento e pela dor da ausência.

Esses relatos íntimos contrastam com a economia dos diálogos pontuais das passagens reencenadas, que por vezes exalam um naturalismo agradável – como nas interações com a caixa do supermercado (vivida por Luciana Paes). Esse minimalismo, contudo, se torna repetitivo, soando como uma tentativa de reforçar o vazio existencial por meio de cenas triviais – Bruno correndo na esteira, comendo, dormindo etc. Além disso, tal comedimento evidencia a artificialidade de sequências que pedem a verborragia, vide a discussão com os colegas do grupo teatral. Ao menos no ato final, Sircilli decide assumir de vez a ficção em seu viés alegórico, dando asas a uma vocação performática que parecia adormecida. Ao relembrar o desejo da mãe de Bruno de morar na praia, e o prazer que sentia ao ver as árvores no caminho da serra, o diretor transporta seu protagonista a uma espécie de retorno ao estado primitivo, ao reencontro com a mãe primordial: a natureza.

É novamente no campo da fisicalidade que Fôlego passa a operar, com o corpo nu de Bruno correndo pela mata em contato direto com os elementos naturais – a água, a terra, o fogo. A sequência, que culmina num quase regresso uterino – com a imagem do ator deitado no chão de seu apartamento em posição fetal - marcado por outra espécie de nudez, a barba raspada por completo, exprime bem o potencial simbólico desse exercício experimental de metalinguagem, que possui, sim, suas virtudes. Contudo, o distanciamento inicial das emoções filtradas pela tela do computador prevalece sobre o conjunto, reduzindo o impacto das reflexões que pretende levantar à mesma efemeridade do interesse despendido a um vídeo do YouTube interrompido na metade para dividir atenções com uma busca no Google ou uma fotografia no Instagram.

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é formado em Publicidade e Propaganda pelo Mackenzie – SP. Escreve sobre cinema no blog Olhares em Película (olharesempelicula.wordpress.com) e para o site Cult Cultura (cultcultura.com.br).
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