Finalmente Livres

Crítica


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Sinopse

Yvonne, uma jovem inspetora de polícia, descobre que seu marido, Capitão Santi, não era o policial corajoso e honesto que ela acreditava, mas uma verdadeira fraude. Determinada a reparar os erros cometidos por ele, ela cruza o caminho de Antoine, preso injustamente por Santi e condenado a oito anos. Esse encontro inesperado e louco vai mudar a vida de ambos para sempre.

Crítica

A primeira sequência de Finalmente Livres, uma estrambólica perseguição policial que apresenta componentes improváveis, tais como o agente trespassando a grossa parede e ainda assim lutando contra dois bandidos, sinaliza a uma caricatura desbragada. A ciência de que tudo não passa de uma encenação das histórias que Yvonne (Adèle Haenel) conta para o filho pequeno antes deste dormir, todavia, não dissolve de todo essa característica. A realidade é apenas um pouco menos exorbitante, mas conserva um saboroso gosto de inverossimilhança, urdido com naturalidade no tecido narrativo. A comédia – às vezes beirando o pastelão – prevalece nesse filme focado no esquema insólito da protagonista para corrigir a injustiça gerada por seu falecido marido policial. Tido como herói local, com direito a estátua em pose de paladino, ele na verdade era corrupto e enriquecia ilicitamente. Uma das implicações disso foi a prisão indevida de Antoine (Pio Marmaï), a quem a viúva decide ajudar para, de certa maneira, compensar pelos oito anos amargados em regime fechado.

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Finalmente Livres se foca no absurdo desse plano que, obviamente, tem tudo para dar errado. Yvonne é uma mulher determinada, capaz de contrariar até o bom senso se isso significar a reparação dos erros do morto. O cineasta Pierre Salvadori não se preocupa com eventuais complexidades e/ou entrelinhas, mantendo as coisas bem explicadas e reiteradas. Antoine volta diferente aos braços de sua amada, Agnès (Audrey Tautou), mas a deflagração dessa mudança é perceptível somente pela verbalização, e isso com o longa-metragem próximo do fim. Enquanto desenvolve o vínculo improvável entre a detetive disfarçada e o recém-soldo da cadeia, o filme não estabelece muito bem algumas nuances essenciais, como a mencionada discrepância de comportamento provocada exatamente pela armação do corrupto. Uma pena, pois é curiosa a disposição do homem inocente quanto à “vestir a carapuça”, ou seja, a fazer algo para, enfim, justificar o que as autoridades lhe imputaram.

Há alguns achados em Finalmente Livres, sendo o principal deles a dinâmica do reencontro entre Antoine e Agnès. Despreparada quanto à chegada adiantada do marido, ela pede que o ele retorne algumas vezes ao portão para experienciar as possibilidades antes imaginadas. Adiante, esse expediente é retomado, mas partindo de outra perspectiva, perdendo força consideravelmente no que tange ao encanto e à ternura, mas, mesmo assim, conservando eficácia. A lamentar que, por exemplo, o realizador subaproveite situações potencialmente impagáveis, como o esquartejador insistente em se entregar na delegacia em que as questões amorosas estão mais fervilhantes do que a atenção ao cumprimento das normas sociais. A despeito das fragilidades que diminuem o impacto do resultado, o elenco está em estado de graça, especialmente Adèle Haenel e Pio Marmaï, que criam personagens carismáticos e, cada um ao seu modo, bastante fragilizados, dispostos a tomar caminhos completamente inesperados, figuras contrárias aos seus papeis contumazes.

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Outra peculiaridade utilizada com efeitos variáveis é a mudança das histórias que a mãe conta para o filho. No começo elas colocam Jean (Vincent Elbaz) num pedestal admirável, mas gradativamente somos apresentados a versões com falhas, partindo de estratégias sutilmente malfadadas, passando por pequenos indícios de delito, chegando à prisão que, portanto, “reconstitui a verdade”. Porém, Pierre Salvadori não dispõe essa dimensão no enredo de forma totalmente orgânica, fazendo dela uma espécie de área de escape, inclusive à Yvonne, oscilante entre os galanteios do homem a quem deveria ajudar e a disponibilidade do amigo Louis (Damien Bonnard). Aliás, a paixão acelerada por este é outro ponto que depõe contra o conjunto, não exatamente por acontecer, mas pela menção abrupta em meio ao turbilhão de coisas se desenvolvendo. Finalmente Livres é divertido, sem compromissos com a profundidade, mas poderia empregar melhor algumas boas ideias.

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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.
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Grade crítica

CríticoNota
Marcelo Müller
6
Leonardo Ribeiro
7
MÉDIA
6.5

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