Crítica


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Sinopse

No aniversário de 70 anos da mãe, toda a família se reúne para celebrar. Quando uma inesperada visita chega na festa, a harmonia do ambiente acaba. A irmã mais nova, que estava desaparecida há quatro anos, retorna trazendo problemas na bagagem.

Crítica

O título “Feliz Aniversário” soa irônico diante deste drama francês. Trata-se, de fato, da comemoração de aniversário da matriarca (Catherine Deneuve), mas há pouca felicidade nesta história de pessoas que se insultam e manipulam, que gritam e choram, e que guardam rancores prontos a retornar à mesa na primeira oportunidade. Não há dúvida que esta família disfuncional se ama, assim como parece evidente que eles jamais poderiam conviver fora de festas esporádicas. O filme busca representar uma forma de relacionamento abusivo entre as pessoas que acreditam na importância de ficarem juntas, pelo sangue que as une, embora não possuam quase nada em comum e tenham dificuldade de se suportar. O afeto familiar é observado por um prisma bastante amargo.

O início, no entanto, aponta para alguma forma de otimismo: as crianças correm alegremente pelo jardim, a neta prepara os balões para a decoração, os filhos se cumprimentam. A câmera passeia por estes núcleos com fluidez, atravessando cozinhas, quartos e banheiros dentro de um único plano. Está claro que nos encontramos diante de um filme coral, no qual não existe um ponto de vista único, e sim uma diversidade de opiniões em conflito ao redor da mesma mesa. A impressão de perversidade nasce deste duplo mecanismo: primeiro, a decisão de apresentar o cenário da família perfeita para destruí-lo cena a cena, até o caos completo do clímax, e segundo, por posicionar o espectador na posição de voyeur, presenciando de maneira onipresente tudo o que ocorre no casarão ao mesmo tempo, tendo um acesso a informações de que nenhum outro personagem dispõe por completo. Somos os olhos desta casa, embora não sejamos convidados a defender nenhum personagem em detrimento de outro.

Cédric Kahn demonstra um refinamento impressionante para este tipo de mise en scène: o trabalho de câmera é ágil e ao mesmo tempo invisível, jamais se sobrepondo às atuações. Ao mesmo tempo, as interações verbais demonstram grande despojamento, enquanto as correções de enquadramento numa mesma imagem transparecem a coreografia finamente ensaiada. Mistura-se assim a impressão de controle e de improviso, a naturalidade cênica com a artificialidade da câmera se ajustando a cada gesto das mãos dos atores. Trata-se de um equilíbrio difícil de atingir dentro de uma estrutura múltipla, com uma dezena de personagens em cena simultaneamente. Kahn também se revela um talentoso diretor de atores, buscando colocar seus atores num registro ao qual já estão acostumados: Emmanuelle Bercot, sempre convidada para interpretar mulheres desequilibradas, encarna a filha com distúrbios psiquiátricos, Vincent Macaigne, habitual de personagens imaturos, faz o jovem adulto irresponsável, e assim por diante. Talvez fosse interessante explorar estes atores em registros diferentes do habitual, mas o cineasta prefere extrair de cada um a persona que domina.

Devido à escolha de conflitos e tipos predefinidos, Feliz Aniversário recai na histeria por volta do terço final. Estabelecido o palco para confrontos múltiplos (o que envolve problemas de dinheiro, abandono parental, internação em hospitais psiquiátricos, racismo, filmes amadores feito sem o consentimento dos familiares etc.), o diretor permite que a situação exploda sem medidas: Bercot se excede nos gritos, Macaigne, nos tiques e gestos, e Deneuve, na ingenuidade conformista das avós acostumadas à postura de submissão. Os personagens, afinal, transformam-se em tipos codificados para provocar a reação desejada: a jovem mãe racista diante do rapaz negro, o irmão ganancioso (o próprio Kahn) diante do irmão acomodado (Macaigne), a esposa negligenciada (Laetitia Colombani) face à jovem namorada fogosa (Isabel Aimé Gonzalez Sola). O roteiro demonstra pouca sutileza na ânsia de abarcar os principais conflitos contemporâneos da burguesia francesa.

Mesmo assim, pela produção impecável – a fotografia trabalha muitíssimo bem a luz em interiores, a edição sabe dosar música e silêncio -, o resultado se revela um drama adulto, de imagens minuciosas e um elenco invejável. Por mais que force embates evidentes por si próprios, demonstra notável prazer cênico, elevando o nível de seus atores para ver o que são capazes de produzir uns diante dos outros, uns contra os outros. Feliz Aniversário constitui um exercício de direção, um teste para os limites da catarse e da criação de personagens pouco agradáveis aos olhos do espectador. Kahn pode não oferecer algo inovador à configuração das crises familiares, mas o faz com belo senso de lirismo, tanto pelo entrecruzamento de artes (música, teatro, cinema amador) quanto por momentos singelos quando irmão e irmã cantam juntos, dentro do carro, uma canção da juventude. Por trás da malícia e do senso de manipulação – do cineasta e dos personagens -, existe uma forma de ternura que impede o drama de se limitar à mera experiência de sadismo familiar.

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Crítico de cinema desde 2004, membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema). Mestre em teoria de cinema pela Universidade Sorbonne Nouvelle - Paris III. Passagem por veículos como AdoroCinema, Le Monde Diplomatique Brasil e Rua - Revista Universitária do Audiovisual. Professor de cursos sobre o audiovisual e autor de artigos sobre o cinema. Editor do Papo de Cinema.
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Bruno Carmelo
7
Leonardo Ribeiro
4
MÉDIA
5.5

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