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Sinopse

Uma série de pequenas histórias embaladas por marcantes temas da música clássica.

Crítica

Passados 75 anos desde o seu lançamento, Fantasia ainda pode ser considerado o projeto mais inovador e ambicioso concebido por Walt Disney. Com mais de duas horas de duração, divididas em oito segmentos, cada um trazendo a interpretação em imagens dos animadores da Disney para peças de música clássica, a proposta do longa fugia totalmente das adaptações dos contos de fadas dos sucessos anteriores do estúdio, como Branca de Neve e os Sete Anões (1937) e Pinóquio (1940). A ideia de transformar a trilha sonora em personagem principal, algo que ocorre literalmente em determinado momento do filme, era arriscada, mas provou-se um grande acerto, gerando um dos títulos mais influentes da história da animação no cinema.

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O objetivo de Disney era proporcionar ao público uma experiência sensorial diferente de tudo o que já havia sido produzido, e para guiar os espectadores através deste produto tão elaborado, Fantasia conta com trechos filmados em live action da Orquestra da Filadélfia, sob a regência do famoso maestro Leopold Stokowski, e também com introduções para cada segmento realizadas pelo músico Deems Taylor. Taylor acaba tendo o papel de “narrador de instruções”, não só apresentando as histórias por trás das composições que fazem parte da trilha sonora, mas também explicando o modo como foram traduzidas para as telas. Para começar, Taylor cita os três tipos de música/animação que serão apresentados: aquele que conta uma história definida, aquele que mesmo sem uma trama exata é composto por imagens concretas e o último, conhecido como “música absoluta”, que não possui nenhum sentindo específico.

O primeiro segmento, Tocata e Fuga, de Johann Sebastian Bach, faz parte deste último tipo e se inicia com uma sequência de imagens dos músicos da orquestra e de seu regente em um belíssimo jogo de luz e sombras, para só depois adentrar o terreno da animação. Na busca pela já citada experiência sensorial, este segmento surge como o mais abstrato e desafiador do longa, proporcionando total liberdade aos animadores para que transmitissem os sentimentos da música através de representações indefinidas, como cores, formas e movimentos. O próximo segmento, Suíte Quebra-Nozes, de Tchaikovsky, talvez seja o que apresente a maior complexidade na animação, trazendo cenas bastante oníricas, em que os animadores encontram soluções no antropomorfismo de elementos da natureza, como os cogumelos que se transformam em dançarinos chineses, as flores bailarinas e os cravos dançarinos russos, além da presença de seres fantásticos, como as fadas.

No terceiro e mais icônico segmento do longa, O Aprendiz de Feiticeiro, de Paul Dukas, Disney aproveita para inserir sua mais famosa criação: Mickey Mouse. No papel do aprendiz do título, Mickey utiliza o chapéu mágico de seu mestre para dar vida a uma vassoura e fazer com que ela realize suas tarefas, como encher os baldes de água no poço do castelo. Por não saber como desfazer o feitiço, Mickey acaba causando uma inundação, gerando umas das cenas mais encantadoras e emblemáticas da história do cinema, que marcaria para sempre o personagem. A seguir temos A Sagração da Primavera, de Stravinsky, que apresenta a evolução da vida na Terra, dos primeiros microorganismos à extinção dos dinossauros. Uma representação tão detalhada que se tornou referência para o tema na linguagem cinematográfica, sendo reproduzida em diversos filmes, como A Árvore da Vida (2011), de Terrence Malick.

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Após o intervalo e uma rápida jam session dos músicos, seguimos para o próximo episódio, Sinfonia Pastoral, de Beethoven. Inspirados pela mitologia grega, os animadores situam a trama no Monte Olimpo, dando vida a criaturas fantásticas como faunos, pégasos, unicórnios, centauros e cupidos, além de deuses, como Baco, Íris, Apolo, Morfeu e Zeus. O lúdico segmento causou polêmica na época pelo teor mais adulto: a utilização da palavra “bacanal”, a nudez e a sexualização de alguns personagens, especialmente as fêmeas dos centauros. Em contrapartida, o sexto segmento, Dança das Horas, de Amilcare Ponchielli, utiliza um tom mais infantil e bem-humorado ao satirizar um balé clássico sobre as horas do dia, representadas por grupos de animais: avestruzes, elefantes, hipopótamos e jacarés.

O tom volta a mudar drasticamente em Uma Noite no Monte Calvo, de Mussorgsky, mostrando a história do demônio Chernobog, que do alto de sua montanha invoca as almas perdidas de um vilarejo na noite de Halloween. Denso e sombrio, este episódio também gerou discussões sobre seu conteúdo ser perturbador para o público infantil. Polêmicas à parte, o apuro visual e a inegável ousadia tornam o segmento inesquecível. Por fim temos a sequência inspirada em Ave Maria, de Franz Schubert, a única canção com intervenções vocais, em que é adotada uma estética mais minimalista para acompanhar uma procissão religiosa até uma capela gótica, encerrando o longa em chave emocional e poética.

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Com a grandiosidade do conceito transportado com excelência para as telas, a primazia técnica dos diferentes estilos de animação e das interpretações musicais, Disney alcançou seu objetivo, além de levar dois Oscars honorários, criando uma obra única – que nem mesmo o próprio estúdio foi capaz de replicar na continuação Fantasia 2000 - e que até hoje exerce um fascínio imensurável sobre o público.  A magia, tão valiosa para Disney, atinge seu ápice com um longa que não poderia ter um título mais apropriado.

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é formado em Publicidade e Propaganda pelo Mackenzie – SP. Escreve sobre cinema no blog Olhares em Película (olharesempelicula.wordpress.com) e para o site Cult Cultura (cultcultura.com.br).
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