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Sinopse

Lydia é trabalhadora, mas seu salário é insuficiente para sustentá-la, bem como ao filho Charlie. O infortúnio é ainda maior porque o marido voltou diferente da Segunda Guerra Mundial e os abandona. Para completar, ela se torna vítima dos comentários maliciosos dos vizinhos que atribuem os reveses à sua natureza inquieta. Tudo começa a mudar quando decide bater à porta da doutora Jean Markham, médica recentemente regressa à sua cidade natal e que confia seus segredos às abelhas.

Crítica

Foram necessárias mais de duas décadas para que a britânica Annabel Jankel retornasse com um projeto cinematográfico após o desastre de Super Mario Bros. (1993). Sem a parceria de Rocky Morton, seu ex-marido, com quem dividiu o citado fracasso da adaptação do game, como também o prestígio inicial conquistado com a cultuada série de TV, Max Headroom (1987), e com o longa Morto ao Chegar (1988), a retomada solo da cineasta se dá com este Fale com as Abelhas, baseado no romance Tell It to the Bees, de Fiona Shaw. A trama apresenta Lydia Weekes (Holliday Grainger), uma jovem mãe solteira abandonada pelo marido, Robert (Emun Elliott), pai do pequeno Charlie (Gregor Selkirk). Expulsa da casa da família em Manchester, devido à gravidez antes do casamento, a personagem vive uma dura rotina na cidade natal de seu ex-companheiro, no interior da Escócia, mal conseguindo se sustentar com o trabalho em uma fábrica têxtil, e prestes a ser despejada do local onde vive com o filho.

Sentindo-se completamente isolada, tendo Anne (Lauren Lyle), prima de Robert e colega de trabalho na fábrica, como única amiga, Lydia vê sua realidade transformada com a chegada da Dra. Jean Markham (Anna Paquin), que retorna à cidade depois de anos para assumir o posto do pai, recém-falecido, como médica local. Em comum, mesmo antes do primeiro contato, as duas mulheres carregam o sentimento de deslocamento, de exclusão, acentuado pelo tratamento recebido de praticamente todos os moradores da cidade – que no caso de Jean tem origem em um acontecimento de sua juventude. Apesar de dividirem esse fardo, o que, de fato, as aproxima inicialmente é Charlie, com seu fascínio pela criação de abelhas – daí o título – que Jean mantém no terreno da bela mansão deixada pelo pai. O laço de amizade estabelecido entre a médica e o garoto logo se estende à Lydia, gerando uma conexão que se desenvolve em uma relação amorosa, tornando a existência das duas na conservadora Escócia rural dos anos 1950 ainda mais complicada.

A conexão por meio de Charlie não é surpresa, já que o personagem – em versão adulta, rememorando o passado – é o narrador da história. Ainda que não sustente tal perspectiva durante toda a projeção, em sua maior parte, a narrativa se apresenta mesmo sob o ponto de vista do garoto, o que termina servindo a Jankel como justificativa para tom inocente que envolve o longa. Por outro lado, esse elemento se mostra um obstáculo que a cineasta não consegue transpor completamente, já que ele acrescenta uma nova camada – a jornada de amadurecimento infantil – que briga por espaço com uma trama central já complexa: o romance homoafetivo e várias questões que cercam o tema, como a discriminação, o papel da mulher na sociedade da época, no campo do trabalho (as funcionárias da fábrica, a rejeição a uma mulher médica, como Jean) ou a autonomia feminina sobre o próprio corpo, com a subtrama envolvendo Anne e sua mãe autoritária (Kate Dickie). São questões de interesse, mas que terminam exploradas de modo simplista e extremamente funcional.

O funcionalismo é talvez a principal fraqueza do trabalho de Jankel. Sem a depuração de estilo ou a habilidade para jogar com as convenções do melodrama de um Todd Haynes com seu Carol (2015) – uma comparação quase inevitável – que traz força aos gestos, símbolos e palavras não ditas, construindo uma tensão latente e dando peso à melancolia, Jankel vai no caminho oposto. Em seu filme, tudo é imediato e expositivo, a começar pelo julgamento da população local em relação às protagonistas, que as classificam como problemáticas, mesmo antes de qualquer suspeita sobre sua relação. Até mesmo a entrega de ambas à paixão é apresentada de forma didática e sem uma construção mais delineada. Nos papéis principais, as atrizes se comportam bem, criando uma boa dinâmica e gerando empatia com boas composições – Paquin mais moderada, Grainger mais intensa, quando necessário. A construção que as cerca, de uma singeleza que se confunde com o pueril, contudo, é irregular, especialmente na ruptura tonal do terceiro ato, onde se acumulam dramas mais graves que criam um ruído em relação ao que o precede.

O elemento lúdico de Fale com as Abelhas contribui para amplificar esse ruído, com o interesse de Charlie pelas abelhas, a quem conta seus segredos, ganhando contornos fantásticos destoantes que soam inverossímeis, já que uma abertura mais direta para esse universo nunca havia sido apresentada. Até mesmo no campo estético, um dos pontos fortes de seus primeiros trabalhos, Jankel se mostra mais contida, entregando uma realização convencional, que estabelece a atmosfera desesperançosa que cerca as personagens com os tons frios, nos cenários e figurinos, quase sem cores – e também sem personalidade. As únicas fugas são os planos de detalhe quase microscópicos das abelhas, que tem sua plasticidade, mas perdem tal efeito pela repetição excessiva. Assim, mesmo com boas intenções, temáticas e atrizes, o que se sobressai neste retorno de Jankel é o sentimento de apatia. Não por internalizar as coisas, mas, justamente, por uma exposição desprovida de real paixão.

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é formado em Publicidade e Propaganda pelo Mackenzie – SP. Escreve sobre cinema no blog Olhares em Película (olharesempelicula.wordpress.com) e para o site Cult Cultura (cultcultura.com.br).
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