Crítica


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1 voto 10

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Sinopse

Sandra está de mudança para Paris; Karine sempre tenta se desvencilhar da família; Kiki é pega por uma tragédia durante uma brincadeira de esconde-esconde; Renée pensava estar livre do passado. Aos poucos, entende-se que essas quatro mulheres representam diferentes lados da mesma pessoa.

Crítica

O título em português deste filme dirigido por Arnaud des Pallières, se entendido literalmente, antecede boa parte da descoberta que o roteiro nos oferece paulatinamente. Faces de uma Mulher fala sobre quatro mulheres em estágios de vida diferentes. Mas, na verdade, elas são uma só. Tudo começa na interação tensa entre Renée (Adèle Haenel), professora de escola, e Tara (Gemma Arterton), companheira do passado criminoso que a primeira pretendia deixar sepultado. A vingança da recém-solta da prisão provoca a ruína de quem se escondida atrás de um nome falso. Renée é devidamente encarcerada, para a surpresa do marido que ignorava o fato de relacionar-se com uma fugitiva. Logo depois, vemos Tara atravessando o caminho de uma jovem, a sedutora Sandra (Adèle Exarchopoulos). Adiante, acompanhamos Karine (Solène Rigot) e seus problemas em meio a uma rotina de abusos. Por fim, conhecemos Kiki (Vega Cuzytek), criança que se depara com a trágica morte de amigos da vizinhança.

Faces de uma Mulher, portanto, se centra numa personagem, mais precisamente nas diversas fases de uma trajetória acidentada desde o início. Invertendo a ordem apresentada pelo filme, temos a menina acossada por turbulências familiares; a adolescente às voltas com as tentativas de fugir, a qualquer custo, da dominação do padrasto violento; a garota tateando o mundo adulto, para isso utilizando as ferramentas que lhe parecem mais úteis; e, por fim, a mulher escondida num casulo de falsidade, construído para esquecer o outrora e, com isso, tentar finalmente pôr as coisas nos eixos. Como vista no longa, essa sucessão de acontecimentos, então em disposição contrária à cronológica, confere um tom peculiar de descoberta, pois há uma desconstrução gradativa dessa mulher, uma investigação até mesmo afetiva do que a levou a abraçar o delito, entre outras escolhas mais ou menos fáceis de compreender inicialmente. A estrutura é um dos procedimentos que afrontam o convencionalismo possível.

Em Faces de uma Mulher, as interações da protagonista com os homens são importantes, pois enfáticas e emblemáticas. Kiki tem um pai compreensivo, que a defende dos rompantes de severidade da mãe. Karine é espancada constantemente pela figura que se ocupou de sua criação após a partida da progenitora (algo que supomos). Já Sandra busca esse referencial paterno nos indivíduos bem mais velhos com quem fortuitamente transa. Quando chegamos novamente a Renée, percebemos que ela escolheu para marido alguém de temperamento e comportamento próximos dos característicos de seu pai. A flagrante troca de identidades é uma metamorfose necessária à sobrevivência. Além da engenhosidade da urdidura narrativa, o filme de Arnaud des Pallières é sensível na abordagem do universo feminino, das rotinas fragmentadas pela dor, inclusive, a de carregar nos ombros o peso de ser mulher em entornos essencialmente masculinos, sem muitas brechas para individualidades sobressaírem.

O sofrimento marca de forma indelével o percurso da(s) protagonista(s) de Faces de uma Mulher. Desde pequena, ela conviveu com a parte mais feia do existir, seja por encarar a morte prematura de amigos, ser vítima da frustração alheia assumindo contornos de violência, precisar sobreviver às probabilidades desfavoráveis ou mesmo encapsular-se numa farsa para seguir adiante. Arnaud des Pallières conduz a trama com habilidade, extraindo da averiguação minuciosa o sumo dessa mulher múltipla, cuja evolução é condicionada pela hostilidade exterior. O trabalho do elenco é notável. Vega Cuzytek transmite a ingenuidade; Solène Rigot expõe uma mescla de medo e atrevimento; Adèle Exarchopoulos expressa sensualidade, sem com isso soterrar o receio que torna rica a sua construção; já Adèle Haenel sintetiza as cargas das demais, tratando de amalgamar todas essas mulheres numa, tentando consertar as coisas, nem que para isso precise renunciar aos amores que finalmente surgem.

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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.

Grade crítica

CríticoNota
Marcelo Müller
8
Ailton Monteiro
7
MÉDIA
7.5

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