Crítica
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Sinopse
Os Eternos são uma raça alienígena que chegou à Terra há milhares de anos. Com seus superpoderes eles têm protegido o planeta desde o início dos tempos. O retorno dos Deviantes, raça de predadores selvagens, faz com que os Eternos voltem as reunir seus poderes para defender os humanos.
Crítica
Os Estúdios Marvel, desde que deram início à transposição dos seus principais personagens das histórias em quadrinhos para o universo cinematográfico com Homem de Ferro (2008), há mais de uma década, tem dividido suas produções em ‘fases’: uma de apresentação, uma consolidação, uma de investigação... Pois bem, em 2021 teve início a Fase 04, e devido às mudanças de cronograma provocadas pela pandemia do Covid-19, a primeira dessas histórias foi a minissérie WandaVision (2021). Somente agora, no final do ano, após o lançamento de outras duas séries e de dois longas, é que o público está tendo condições de se deparar com Eternos, aquele que, definitivamente, será lembrado como marco inaugural desse novo momento: o da inovação. Durante muito tempo acusou-se a Casa das Ideias de entregar filmes pré-fabricados, todos seguindo uma mesma fórmula. Pois bem, aqui esse modelo é quebrado, com originalidade, respeito e atenção ao que de mais caro se passa tanto no mundo da ficção como na sociedade contemporânea.
A grande responsável por tamanha mudança é Chloé Zhao, cineasta sino-americana vencedora dos Oscars de Filme e Direção por Nomadland (2020) – longa que, por sinal, foi feito após Eternos, mas lançado antes. No seu título mais celebrado, a realizadora abusava de planos contemplativos, no desenvolvimento interno dos personagens e numa narrativa repleta de não-ditos e argumentos subentendidos. Pois bem, é exatamente o que se passa em sua tomada aventuresca, guardadas as devidas proporções. Afinal, por mais que se afirme que ela tenha recebido carta branca para fazer o que bem entendesse com seus heróis, são evidentes diretrizes remanescentes das bases mais intrínsecas da cartilha, como um certo didatismo, sequências compostas por (muitas) perguntas e (outras tantas) respostas, e elementos supostamente trágicos (mas rapidamente superados) inseridos apenas para elevar a tensão. Há um fino equilíbrio sendo perseguido do início ao fim da trama, no qual se identifica tanto uma artista se esforçando para fazer valer suas ambições mais autorais, como também um compromisso em alcançar um entendimento mais acessível – e, por isso mesmo, também medíocre. É por isso, apenas, que o conjunto se exime em atingir patamares ainda maiores de excelência.
Pouco pode ser revelado a respeito dos Eternos sem que se invada uma pantanosa região de spoilers. Basta saber que, de acordo com a mitologia esclarecida logo no começo da ação, um ser ancestral, Arishem, teria sido o primeiro dos Celestiais – criaturas místicas fundamentais para a manutenção da vida no universo. A presença dele e de outros da mesma espécie teria dado origem aos Deviantes, predadores que, ao se rebelarem, ficaram sem controle. Portanto, se fez necessária a inserção de uma nova figura nesse frágil ecossistema, e eis que surgiram os Eternos. Esses possuem uma missão simples: combater os Deviantes. E é por isso que são enviados à Terra, há 7 mil anos. Quando conseguem alcançar a tarefa a qual foram destinados, esse grupo de 10 se dispersa, cada um indo para um lado diferente do planeta, no aguardo pelo surgimento de um novo chamado – ou ameaça. É o que termina por, enfim, acontecer, alguns séculos após terem se reunido pela última vez, quando um novo Deviante, que acreditavam estarem extintos, surge inesperadamente no centro de Londres. Assim, se veem impelidos não apenas a mais uma vez se reencontrarem, mas também decidirem como agir frente ao cenário que agora se impõe.
Para começo de conversa, importante observar que são três mulheres à frente do elenco. Seria natural esperar que Angelina Jolie, a mais experiente e popular do trio, assumisse a posição de liderança. Esse posto, porém, acaba sendo destinado à Salma Hayek, que mesmo não sendo uma atriz das mais versáteis, é eficiente no que lhe compete. Isso também não significa, por outro lado, que seja ela a protagonista, papel que acaba recaindo sobre Gemma Chan, a novata da turma. Como Sersi, talvez a mais sensorial e delicada das três, possui a introspecção suficiente para perceber não apenas o que se passa com o mundo, mas também com o que acontece no seu âmago pessoal. Mesmo não almejando o comando, o assume com vigor, realizando o que lhe compete mesmo após muita hesitação. A jornada de transformação lhe serve de forma justa – tanto pelos sacrifícios exigidos, como por tudo que tem a conquistar. Jolie, por sua vez, já esteve nesse lugar antes – ela foi Malévola, ela foi Lara Croft – e a escolha por Thena, a deusa da guerra, evidencia uma busca por desafios e uma inquietação artística em sintonia com o projeto. Sua participação é a mais trágica, a mais desafiadora, e por isso mesmo, a mais envolvente – ainda que nem sempre esteja no centro dos holofotes. Uma mudança de posição que, por mais inesperada que possa soar no começo, acaba por se encaixar com exatidão.
Mas há outros Eternos em cena, e esses servem tanto para colocar em evidência uma precisa diversidade, como também apontar caminhos a serem percorridos. Se Richard Madden, como o todo-poderoso Ikaris, é um super-homem dotado de carga shakespeariana, o paquistanês Kumail Najiani e o sul-coreano Ma Dong-seok (Invasão Zumbi, 2016) estão em cena com funções específicas no sentido de ampliar essa visão inclusiva, assim como os negros Brian Tyree Henry – cuja presença serve, ainda, para reforçar o quanto a questão da representatividade é, sim, importante e imperativa, ainda mais no âmbito LGBTQIA+, no qual seu personagem está inserido – e Lauren Ridloff (O Som do Silêncio, 2019) – uma super-heroína muda, uma característica que reforça sua identificação junto a um grupo próprio. A jovem Lia McHugh (Isolados: Medo Invisível, 2020), de apenas 14 anos, e o irlandês Barry Keoghan (O Sacrifício do Cervo Sagrado, 2017), podem não ter nada aparente que os diferencie, mas o talento que empregam aos tipos que lhes são destinados é tamanho que mesmo quando longe das atenções, suas ausências são sentidas. É um organismo por demais coeso que compõem, e os feitos que realizam, as intrigas que se veem obrigados a lidar, e os destinos com os quais jogam são tão imensos quanto as habilidades que cada um domina. Partes imprescindíveis de algo maior do que seus superlativos elementos.
Dito isso, do que fala e o que está no cerne das preocupações de Eternos? Talvez questões por demais ambiciosas para um público acostumado com piadas rápidas e efeitos digitais de última geração – por mais que tanto um, quanto o outro, também se manifestem por aqui. A diferença está na dosagem dessas contribuições, em número menor ao qual se acostumou a verificar nas produções do gênero. Dessa vez a discussão se dá de forma mais reflexiva e profunda, duas condições que exigem tanto de quem as propõe, como daqueles que as recebem. É preciso uma contrapartida. Debate-se o livre-arbítrio e uma essência enquanto condição fundamental da humanidade, a influência do ontem no hoje – e, principalmente, no amanhã que agora está sendo construído – e a interferência daqueles que se julgam mais aptos como fundamental – ou não – para um bem estar amplo. Poderia ser um tratado de filosofia, um confronto acadêmico ou um TedTalk interativo, mas casou de se apresentar pelo meio de seres com uniformes coloridos e habilidades extraordinárias. Deixando isso de lado, porém, a proposta é a mesma. Sejam todos bem-vindo a um admirável – e mais do que urgente – mundo novo.
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