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Sinopse
Em Eterno Visionário, há o retrato de um momento crucial na vida de Luigi Pirandello, durante sua viagem de trem rumo a Estocolmo, onde receberá o Prêmio Nobel de Literatura. Entre memórias e visões, o escritor revive os fantasmas de sua existência: a doença mental da esposa, os conflitos com os filhos, o relacionamento complexo com o fascismo e o escândalo causado por sua arte provocadora. Drama.
Crítica
Não são poucos os nomes do cenário cultural italiano que seguem sendo incensados mesmo anos – ou décadas, ou séculos – após sua morte. Não são muitos, também, os que se equiparam ao respeito e à popularidade alcançada por Luigi Pirandello, não apenas quando vivo, mas também nos dias de hoje. Uma impressão crescente, seja junto ao público que permanece indo atrás e usufruindo de sua arte, como também por parte da crítica e de pesquisadores, constantes nos estudos e descobertas em reavaliações regulares que servem para aumentar o seu alcance e profundidade. Tendo isso em vista, não causa espanto que Eterno Visionário seja o segundo longa a se dedicar sobre a jornada do escritor vencedor do Prêmio Nobel em 1934 em tão pouco tempo. Porém, ao contrário de A Estranha Comédia da Vida (2022), o projeto capitaneado por Michele Placido é mais amplo e, curiosamente, menos audacioso. A proposta é abrangente e busca proporcionar a melhor impressão possível sobre o autor de “Seis Personagens à procura de um Autor” e “O falecido Matias Pascal”. A abordagem, assim, pode ser apontada como por demais convencional. Por outro lado, serve como porta de entrada a um universo rico e atraente, sem menosprezar o alcance daquele na audiência, não importando a pretensão deste.
Um personagem deste peso não pode ser vivido de forma leviana. Se Roberto Andò escolhera o gigante Toni Servillo para conduzir sua fábula a respeito desta figura, dessa vez quem enverga o mesmo manto é Fabrizio Bentivoglio (A Incrível História da Ilha das Rosas, 2020), ator premiado em Veneza e vencedor de nada menos três David di Donatello (o “Oscar” italiano). Geralmente aparecendo com modos galanteadores e farta cabeleira, aqui sustenta com desenvoltura a calvície de Pirandello, carregando em olhares e na imposição dos seus discursos uma visão mais profunda e reveladora sobre o mundo ao seu redor. O que termina por contar contra um maior destaque por sua parte é se ver encurralado entre duas performances femininas absolutamente arrasadoras. De um lado tem-se a esposa esquizofrênica, que por incidentes familiares – a ida do filho mais velho para a guerra, a inundação que provocou a derrocada do negócio herdado pelos pais – viu sua saúde mental se degradar progressivamente. Essa ganha o rosto e a entrega de Valeria Bruni Tedeschi, roubando todas as atenções a cada aparição. O resto do elenco tem chance apenas pelo fato das participações dela serem restritas e pontuais. Caso contrário, a tênue linha que percorre entre loucura e sanidade em cada palavra proferida atrairia para si de forma irrevogável todos os olhares.

Sem a esposa ao seu lado, Pirandello seguiu sozinho sua jornada. Afastou-se dos filhos e netos, cada vez mais intrigado com o destino de suas criações. O que lhe faltava era a presença de uma musa, e essa ganha forma na chegada de Marta Abba (Federica Vincenti, indicada à melhor atriz do ano por essa performance na premiação do Sindicato dos Jornalistas de Cinema da Itália). Placido propõe uma aproximação pertinente entre os dois, sem nunca revelar a real natureza do que se passava entre eles. Se por um lado os filhos dele chegam a esboçar um princípio de ciúmes por perceberem o pai tão envolvido com uma mulher mais nova, por outro ela nunca deixa de chamá-lo de “maestro”, sem que haja qualquer tipo de demonstração visível de maiores intimidades entre os dois. O julgamento, portanto, caberá ao espectador. O fato é que ele entra em uma fase de grande criatividade a partir do momento em que a garota que anseia por uma carreira como atriz passa a ser protagonista de todas as peças originadas por sua pena. Porém, quando se imagina estar entre as nuvens, é preciso ter cuidado, pois qualquer tropeço acabará em uma queda por demais grave. Exatamente o que acaba por acontecer com eles, determinando o afastamento da dupla.
Michele Placido, além de assinar a direção, é também autor do roteiro e faz uma pequena participação como ator, no papel do empresário Saul Colin. Essa onipresença talvez seja um dos motivos capazes de explicar sua dificuldade em observar figura de tamanho impacto com a devida imparcialidade. O Pirandello que oferece ao público se apresenta consagrado, como se não precisasse se esforçar para mostrar ao público de um século depois os motivos que o levaram a ser visto com tamanha reverência. Por mais que o cenário seja opulente (com passagens por Berlim, Estocolmo e até pelos Estados Unidos) e o elenco por demais dedicado (até a diva alemã Ute Lemper surge em um show à parte), falta a faísca de originalidade tão marcante nos escritos daquele que buscam homenagear. Ou seja, Eterno Visionário é competente no que se propõe, mas se mostra também contraditório quanto ao próprio título. O homem no centro desses acontecimentos carece de ambição, ou por se mostrar resignado pelo status conquistado, ou satisfeito com os aplausos que a ele são dirigidos. Ao realizador, enfim, faria bem uma dose a mais de ousadia, nem que fosse para seguir o exemplo deste que tanto tenta alcançar, sem de fato compreendê-lo.
Filme visto no 20o Festival de Cinema Italiano no Brasil, em novembro de 2025
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