Crítica


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Sinopse

Uma família, no período pós-guerra, chama um respeitado médico para atendê-los em casa. No entanto, ele acaba descobrindo segredos da família que não deveriam ter sido revelados.

Crítica

Sarah Waters se tornou conhecida por histórias sobre relacionamentos amorosos entre mulheres. Mais de um livro seu já foi adaptado para o cinema e para a televisão, e talvez o mais elogiado seja o sul-coreano A Criada (2016), premiado no Bafta e no Festival de Cannes. No entanto, não é autora de um único tema. E o primeiro dos seus escritos a fugir dessa ambientação que lhe é familiar e ser levado para às telas é esse Estranha Presença, filme que desperta uma atenção redobrada por também se tratar do primeiro projeto do diretor irlandês Lenny Abrahamson após ter sido indicado ao Oscar por O Quarto de Jack (2015). No entanto, essas expectativas mais jogam contra do que a favor dessa trama que a todo momento abre as mais diversas portas, sem, no entanto, demonstrar coragem suficiente para percorrer qualquer um destes caminhos. É um filme que promete muito, mas acaba por entregar pouco.

Estamos no final dos anos 1940, quando a Inglaterra ainda se recupera dos ataques sofridos durante a Segunda Guerra Mundial. O Dr. Faraday (Domhnall Gleeson) é um jovem médico, ainda em início de carreira, que costuma percorrer todos os dias longos quilômetros pelo interior do país atendendo aos chamados dos seus pacientes. Quando a família Ayres entra em contato porque a única empregada da casa está doente, ele insiste em ir o quanto antes, mesmo que o solicitado tenha sido um colega de consultório mais experiente. Ao chegar lá, no entanto, se depara com um casarão praticamente abandonado, com muitas das suas salas – e até um andar inteiro – fechados. A riqueza e ostentação que eram correntes por ali muitos anos atrás não mais existem. E ele sabe bem disso, afinal, aquele não lhe é um lugar estranho.

Por mais de a sra. Ayres (Charlotte Rampling, sem muito o que fazer) tente manter a mesma postura de outrora, a morte do marido e a deficiência do filho (Will Poulter, de Família do Bagulho, 2013), vítima de um trágico acidente, foram determinantes para a decadência da residência que, décadas atrás, poderia ter participado tranquilamente de um episódio de Downton Abbey (2011-2016). A única que segue se esforçando, dia após dia, é a filha mais velha, Caroline (Ruth Wilson, a melhor em cena, seja pela fragilidade demonstrada nos momentos exatos, como a rudez que invoca quando lhe é exigida). Ela é, literalmente, a única que parece seguir preocupada com as condições ao seu redor. O garoto, ainda que seja apontado como o ‘homem da casa’, mal tem condições de se manter em pé, da mesma forma que a velha senhora passe mais tempo envolvida por fantasias do passado do que disposta a enfrentar a dura realidade. Faraday, no entanto, não apenas se encanta com esse cenário, como parece decidido a dele fazer parte.

A estranheza desse conjunto não tarda a se manifestar, entretanto. E se o visitante não a percebe de imediato, não é por falta de avisos. Quando Betty (Liv Hill), a primeira a demandar sua ajuda, se mostra, já no primeiro contato, sem problema algum, é óbvio que algo não está certo. “Apenas imaginei que, se dissesse estar doente, iriam me dispensar e, com isso, poderia voltar para casa”, revela a garota. Por quê ela mentiria? O que a motiva a desistir do emprego e se afastar dali? O doutor, de imediato, pensa em causas mais simples, como exigências do trabalho, severidade dos patrões ou um pagamento aquém do que lhe é demandado. Essas razões até podem existir, mas não é isso que assusta a auxiliar. E a partir do momento em que ele passar a frequentar a velha mansão, um objetivo que, aos poucos, parece ter sido dele desde a tenra idade, outras suspeitas começarão a se confirmar.

O título nacional Estranha Presença, ainda que bastante genérico e pouco marcante, é mais apropriado do que o original The Little Stranger (O Pequeno Estranho, em tradução direta), pois esse é praticamente um spoiler, deixando claro a qualquer um mais atento, ainda no meio dos acontecimentos, qual será o desfecho destes eventos. Abrahamson não demonstra nenhum cuidado especial, seja no trato com o elenco ou na condução do roteiro, indeciso entre se assumir como um conto de fantasmas ou uma mera fábula de vingança. No resumo, o que termina mais prejudicado é o próprio Gleeson, pois sem orientação acaba entregando um tipo frio e impossível do espectador se relacionar. Assim, à deriva, revela-se reflexo preciso da obra como um todo, repleta de possibilidades, mas incapaz de alcançar com efeito qualquer uma delas.

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
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