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Sinopse

Seis bilionários forjam as suas próprias mortes e criam um grupo de elite para combater o crime, sem serem identificados.

Crítica

Um jovem bilionário (Ryan Reynolds) finge sua própria morte para viver sem responsabilidades com família, impostos e a sociedade. “Isso é liberdade!”, ele grita aos colegas, igualmente “fantasmas”, em defesa de seu modo de vida. Como uma figura abastada conseguiria fugir dos holofotes, e qual seria o peso psicológico de cortar laços afetivos e sociais? Uma vez “morto”, como este homem manteria sua fortuna intacta? Como preservaria sua fonte de renda? O roteiro jamais se preocupa com qualquer uma dessas questões essenciais. O elemento importante para a premissa de Esquadrão 6 se encontra na ideia de um homem riquíssimo sem responsabilidades éticas, morais ou legais. O que poderia dar errado, não é? Ironicamente, o herói que despreza a sociedade decide investir seus bilhões numa cruzada para derrubar governos tirânicos e instaurar a democracia forçada. O próprio homem escolhido para substituir um ditador não pretende seguir a carreira política, mas será gentilmente sequestrado e forçado pelos mocinhos a assumir o governo.

Para os espectadores latino-americanos, a ideia de uma oligarquia liderada por norte-americanos intervindo em países distintos e colocando no poder os homens de sua predileção possui um gosto amargo. Mas quem tem tempo de pensar nisso, quando dezenas de carros literalmente explodem e voam pelos ares, em câmera lenta, em menos de cinco minutos de filme? O país fictício, “Turgistão”, funciona como claro amálgama entre Turquia, Afeganistão, Quirguistão e todo um oriente exótico, onde supostamente vivem pessoas esperando pela salvação à americana – ou seja, na base da intervenção espetacular e militarista. Os atores escolhidos para interpretar os “turgistões” são um iraniano (o grande Payman Maadi), um israelense (Lior Raz), um russo (Rinat Khistmatouline) etc., em reflexo da mistura indistinta. Mas como prestar atenção nisso, quando existe uma corrida em extrema velocidade com carrões coloridos, dentro dos quais uma médica efetua uma cirurgia no banco de trás, enquanto a paciente sai do veículo para usar uma metralhadora? Os membros do esquadrão – os intervencionistas – sempre se perguntam: “Quem são os malvados? São eles os malvados?”, e continuam atirando, em clara simplificação do contexto adotado. Mas como se ater a estes aspectos quando existe um homem especialista em parkour pulando pelos tetos da cidade antes de cair dentro de um carro em movimento?

Durante a apresentação do filme em São Paulo, o elenco evitou a todo custo falar em política. “É apenas diversão”, “A história não se leva a sério”, “Não acredito que o projeto retrate nenhum lugar específico”. Os olhares constrangidos pareciam suplicar: “Por favor, vamos voltar a falar das explosões, ao invés da política”. A estratégia é compreensível. O diretor e produtor Michael Bay é conhecido pelos universos explosivos, combinando carros-robôs, samurais-robôs e mulheres pouco vestidas andando em câmera lenta. Desta vez, ele apresenta uma trama ainda mais absurda, porém ancorada num contexto perigosamente realista. A narrativa se inspira num esquema contemporâneo de guerras globais, proporcionando uma imersão na geopolítica segundo Michael Bay. Isso significa que a responsabilidade em relação aos indivíduos e ações retratados se torna muito maior. Não se representa crianças morrendo em guerras impunemente, não se mostra mulheres com véus em frente a mesquitas como se fosse “qualquer lugar no mundo”. O diretor mira pela enésima vez no imaginário do mundo árabe marcado por pobreza e ditaduras, onde cidadãos suplicam pela guerra altruísta dos norte-americanos e das potências europeias (um dos membros do esquadrão é britânico, a outra é francesa). O projeto naturaliza, mais uma vez, a posição ianque de salvadora do mundo e a autoindulgência em relação aos ataques. Muitas pessoas morrem nesta aventura, mas quem se importa quando é tão divertido ver um barco gigante com pessoas se colando às paredes devido a um super ímã?

Michael Bay concebe a mise en scène como um mágico em sua apresentação. Enquanto o espectador observa uma mulher sendo serrada ou o coelho saindo da cartola, existe algo muito mais importante ocorrendo embaixo da mesa ou nas mangas do paletó. Este não é apenas um cinema de escapismo, mas de distração, disparando tantos estímulos à atenção de público que não lhe sobra espaço ou distanciamento para avaliar o que vê. A cena inicial de Esquadrão 6 é exemplar neste sentido: durante a perseguição de carros, existem dezenas de pessoas atirando, outras fugindo, planos combinados com o rapaz do parkour e um globo ocular aparentemente importantíssimo. Entretanto, o espectador não sabe quem são estas pessoas, quem atira em quem, por que motivo, com qual intenção. A montagem frenética faz idas e vindas no tempo, enquanto letreiros surgem na tela: “O passado”, “O presente”, reduzindo nossos personagens a funções: “A médica”, “O atirador”. Os close-ups agitados nos rostos dentro do carro, o sangue espirrando na tela em câmera lenta, o barulho do carro + o barulho da música + o barulho dos gritos + as piadas dos diálogos produzem uma cacofonia intensa, obcecada em distrair o observador como se distrai um bebê chorando. Por favor, não olhe para a política: tem um globo ocular rolando pelo chão do carro.

A diversão do espectador diante deste projeto dependerá de sua tolerância para a saturação de cortes e cores e sons e piadas e sangue e carros e belas mulheres e homens corajosos e vilões sanguinários e prédios altos e cenários exóticos e piscinas explodindo e carros explodindo e navios explodindo e pessoas explodindo. É possível argumentar, mais uma vez, que as mulheres recebem um tratamento machista através da dicotomia santa/prostituta, e pela maneira como seus corpos são expostos. É possível dizer que se trata de uma produção alinhada aos valores de Donald Trump, que enxerga “bad hombres” por todos os lados, enquanto busca sua própria versão do “excludente de ilicitude”. Pode-se criticar a pobreza dos diálogos (“O mundo está um loop de merda!”, avalia politicamente um personagem), o monólogo conservador da conclusão, o humor falho decorrente de figuras mal construídas (como rir da suposta teimosia de uma mulher se não sabíamos que ela era teimosa até então?). Pode-se sugerir que Bay aprofunda seu cinema com déficit de atenção, concebido para a época de smartphones e rolamento de feed de notícias de redes sociais, e mesmo que o produtor cria sua própria versão de Velozes & Furiosos, com uma nova “família” de pessoas envolvidas em performances de ação megalomaníacas. Pode-se debater o valor sintomático de uma superprodução de classificação etária R (o equivalente da proibição para menores de 17 anos) lançada diretamente numa plataforma online, sem compromisso com os números de bilheteria da primeira semana. Ou o espectador pode simplesmente mergulhar na exposição estroboscópica de corpos belos em explosões gigantes, carros luxuosos e cenários paradisíacos. Os personagens, afinal, se tornam tão surreais quanto as paisagens digitais projetadas sobre uma tela verde.

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Crítico de cinema desde 2004, membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema). Mestre em teoria de cinema pela Universidade Sorbonne Nouvelle - Paris III. Passagem por veículos como AdoroCinema, Le Monde Diplomatique Brasil e Rua - Revista Universitária do Audiovisual. Professor de cursos sobre o audiovisual e autor de artigos sobre o cinema. Editor do Papo de Cinema.
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