Crítica


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Sinopse

Ao receber a notícia de que a filha virá passar uns dias em sua companhia, Bianca, uma professora de quase 50 anos de idade, decide retomar a obra inacabada na laje de sua pequena casa. Os planos, contudo, não saem como o esperado.

Crítica

Em plano fixo, Bianca pula durante uma aula de dança. Na cena seguinte, ela dá aulas numa escola municipal a um grupo de adolescentes. Durante toda a duração do filme, a câmera jamais abandona o rosto desta mulher ativa, porém silenciosa e de aparência taciturna. Em Reforma se dedica a um recorte do cotidiano, preferindo os bastidores das ações (a conversa com uma colega na escola, o bate-papo descontraído numa loja) aos conflitos em si. A escolha se justifica pelo fato de eleger a espera como foco: Bianca espera a chegada da filha adolescente em casa, espera a conclusão da reforma em sua casa, espera os pagamentos atrasados de seu salário. Ela não possui ingerência sobre esses prazos, mas se prepara como puder.

O melhor aspecto do curta-metragem dirigido por Diana Coelho se encontra na naturalidade ao abordar temas graves, diluídos no cotidiano da protagonista. A homossexualidade da filha é sugerida sem sobressalto pelos diálogos, assim como a aceitação da mãe sobre esta orientação. O aparente descontentamento com o trabalho, a crise financeira e a autonomia feminina são desprovidos de qualquer grito panfletário, e não provocam reviravoltas na trama por sua aparição. É louvável que a mulher não seja resumida à sexualidade, nem ao trabalho: estes são apenas elementos que se entrecruzam de modo a construir uma personalidade complexa. Enquanto isso, a ironia relacionada à reforma garante um humor agridoce benéfico ao conjunto – afinal, ela deseja criar um quarto a mais em casa para atrair a jovem filha, mas é justamente o caos da construção que incomoda a garota.

Apesar dos valores sólidos de discurso e de roteiro, alguns aspectos prejudicam a fluidez do conjunto. Alguns diálogos soam explicativos (a amiga informando Bianca sobre a crise econômica, algo de que ambas certamente já sabem), enquanto a mise en scène poderia encontrar maior agilidade dentro das cenas, carentes da exploração de ações simultâneas e de sons fora do enquadramento. Mesmo assim, a utilização dos planos fixos funciona a contento na caracterização de uma rotina estagnante, e facilita a tarefa para uma montagem bastante eficaz, que sabe valorizar silêncios e desconfortos. Em paralelo, as atuações poderiam ser dirigidas para brincarem um pouco mais com o texto e os espaços, ainda que resultem num conjunto coeso. Nenhuma atriz se sobressai às demais, o que contribui ao naturalismo do projeto.

Por fim, mesmo que a metáfora da reforma não seja das mais inovadoras (diversos dramas utilizam casas em construção, ou personagens em mudança, para representar metaforicamente um estado psicológico de transição), ela funciona para aproximar estas duas mulheres dentro de um universo autossuficiente. A incorporação de uma atividade tipicamente masculina aos afazeres de Bianca serve a atribuir certo poder de controle à mulher que iniciava a trama à espera de algo. A autonomia vai além do trabalho e da relação com o corpo, para atingir também uma forma de controle da própria vida. Através da narrativa singela, o projeto consegue representar um painel socioeconômico muito mais amplo do que aparenta a princípio.

Filme visto na 6ª Mostra de Cinema de Gostoso, em novembro de 2019.

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Crítico de cinema desde 2004, membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema). Mestre em teoria de cinema pela Universidade Sorbonne Nouvelle - Paris III. Passagem por veículos como AdoroCinema, Le Monde Diplomatique Brasil e Rua - Revista Universitária do Audiovisual. Professor de cursos sobre o audiovisual e autor de artigos sobre o cinema. Editor do Papo de Cinema.
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