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Sinopse

Eike Batista chegou a ser um dos dez homens mais ricos do mundo. No entanto, o que parecia ser um império sólido o suficiente para perpetuar um legado empreendedor se tornou um negócio que foi derretendo aos poucos.

Crítica

Durante um bom tempo, Eike Batista foi uma das vedetes das manchetes brasileiras. Líder de um grupo que galgou degraus rapidamente em diversos mercados, ele foi celebrado como exemplo de empreendedorismo, quase como a reencarnação do Rei Midas que transformava as coisas em ouro com um simples toque. Eike: Tudo ou Nada é a cinebiografia dessa personalidade que experimentou extremos durante uma década: de chegar à lista dos 10 homens mais ricos do mundo a amargar a estadia na cadeia de Benfica, no Rio de Janeiro, por conta das ilícitas relações com políticos condenados pela justiça. Mas, qual Eike os cineastas Dida Andrade e Andradina Azevedo nos apresentam nesse filme? Pode-se dizer que o protagonista é visto essencialmente como um homem teimoso e mal assessorado que demorou demais para enxergar a dura realidade, quando muito, uma vítima da própria ambição desmedida. Um homem trágico. Quem vive esse protagonista nas telonas é o ator Nelson Freitas, mais conhecido por seus papeis cômicos. E seria um tanto reducionista dizer que o trabalho de Nelson imprime certa leveza a Eike justamente por estarmos falando de um cômico. No entanto, o intérprete realmente acentua o viés “refém dos próprios sonhos”, assim amenizando as camadas obscuras do sujeito que, em outras abordagens, poderia ser visto como exemplo de capitalista megalomaníaco.

Façamos como o próprio Eike na realidade e especulemos: talvez a grande inspiração para Dida Andrade e Andradina Azevedo na escrita do roteiro – além do livro de Malu Gaspar no qual oficialmente se baseiam – seja O Lobo de Wall Street (2013), de Martin Scorsese. Há pontos evidentes de contato entre esses filmes que abordam homens chafurdados na lama mais espessa de um capitalismo selvagem. Por exemplo, em Eike: Tudo ou Nada temos a formação de uma brigada de executivos e conselheiros muito próximos do protagonista, os “pretorianos”, como Eike os chama em determinado momento da trama. É a mesma estratégia essencial do longa-metragem norte-americano: utilizar satélites que gravitam em torno de um sol para a partir deles expandir uma visão sobre aquele cenário. No entanto, enquanto Scorsese faz um filme contundente sobre as engrenagens econômicas – colocando as pessoas em rota de colisão enquanto exercem (e abusam de) poderes despropositados dados pelo dinheiro –, Dida Andrade e Andradina Azevedo simplesmente fazem dessas figuras meras escoras ao discurso central. Às vezes, Eike é confrontado por algum associado ou engambelado por alguém de sua confiança. Aliás, o fato de o filme ser contado por um desses satélites que orbitam em torno do “astro rei” é praticamente irrelevante. O narrador nunca é mais do que alguém que explica e nos conduz.

Um dos grandes desafios das cinebiografias é estabelecer a amplitude do recorte. Conta-se a vida inteira do protagonista ou pega-se apenas um instante indicativo da personalidade e da história que se pretende capturar? Eike: Tudo ou Nada prefere acompanhar o protagonista da ascensão às capas de revistas econômicas até a queda vertiginosa, quando ele foi diretamente às páginas policiais da crônica jornalística. Pequenos vislumbres e causos da infância até aparecem, mas como material para completar certas lacunas. No entanto, mesmo assim, o roteiro abraça mais coisas do que deveria a fim de desenhar um painel amplo sobre o personagem controverso. O escândalo pessoal envolvendo o relacionamento conturbado com Luma de Oliveira é mostrado num mergulho para buscar incômodos inconscientes. Ainda que a desculpa seja um pouco esfarrapada (um cientista mostrado seu dispositivo “revolucionário”) e que a execução da cena seja pobre esteticamente, sobretudo quanto à atmosfera onírica, ao menos Dida Andrade e Andradina Azevedo apostam em outro registro para falar da vida emocional de Eike. As boas ideias, no entanto, são as famigeradas exceções que infelizmente confirmam a regra, neste caso, a do simplismo visual que contempla ainda cenas mal iluminadas numa tentativa malsucedida de revelar a obscuridade. O filme não escapa de ser convencional.

Ainda como indício da tentativa de Eike: Tudo ou Nada abrir seu escopo e ser vasto, temos o núcleo do investidor classe média que perde dinheiro ao se deixar levar pelo discurso de que a petroleira de Eike Batista era uma mina de ouro. É compreensível querer mostrar os efeitos sociais da atuação irresponsável de um empresário teimoso, mas a desagregação da família liderada por um cidadão afeito ao neoliberalismo é construída de modo esquemático e pouco agrega valor à narrativa. Observando atentamente as opções de Dida Andrade e Andradina Azevedo, parece que eles ficaram num meio termo entre fazer um filme sobre Eike Batista e contemplar a "obrigação" de mostrar seu encaixe num panorama formado por especulações, variações e flutuações responsáveis por ganhos ou perdas tantas vezes bilionários. A interpretação de Nelson Freitas não permite que a vaidade do protagonista ganhe substância e tampouco que suas falas coléricas sejam, ao menos, situadas dentro de um discurso corporativo servidor aos interesses de pouquíssimos. Eike Batista é construído como um homem que alcançou o sucesso por ser arrojado (e certamente um pouco inconsequente), que experimentou o fracasso por não entender a hora de parar e ser facilmente levado por quem sabia massagear seu ego. Nesse itinerário frágil, reponsabilidades e complexidades são aplainadas e simplificadas.

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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.

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