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Sinopse

Uma inusitada interferência entre duas épocas diferentes faz com que Vera, uma mulher casada e feliz, salve a vida de um menino que morou em sua casa há 25 anos. O ato de bondade distorce a realidade e Vera acorda em uma realidade totalmente diferente, na qual sua filha nunca nasceu e ela não chegou a conhecer seu marido.

Crítica

Todo mundo sabe o que vem depois da tempestade: a bonança. Mas o que se passa quando se está no meio da intempérie? As possibilidades são muitas, e algumas das mais improváveis são exploradas pelo diretor e roteirista espanhol Oriol Paulo em Durante a Tormenta, filme que poderia ser facilmente visto sob um ou outro prisma – thriller policial? Ficção-científica? Aventura romântica? – mas que, se lhe fosse imposta uma ou outra determinação, se veria obrigado a recusar todas as demais, estilos estes aos quais também, inevitavelmente, pertence. E talvez seja justamente esse o maior dos seus méritos: transitar por tantas vertentes diferentes sem perder o foco da narrativa. É provável que não agrade a todos, principalmente aqueles conformados diante um único conceito. Mas aos que se permitirem ir além, a viagem tem tudo para garantir mais do que apenas uma satisfação passageira.

Nico (Julio Bohigas) é um típico garoto dos anos 1980: grava mixtapes com suas músicas favoritas e sempre que pode providencia registros caseiros do que tem aprendido no violão. Numa dessas noites, enquanto a mãe está fora trabalhando, ele escuta uma discussão na casa ao lado. Ao bisbilhotar, encontra um corpo estendido no chão. E antes que possa fazer qualquer coisa, sai correndo pela rua, onde é morto em um atropelamento. O episódio trágico se tornou conhecido e alterou a vida de todos os envolvidos, para o bem e para o mal. O assassino não foi pego, o melhor amigo – que presenciou o acidente – ficou traumatizado e a mãe do menino se mudou, para nunca mais voltar.

Vinte e cinco anos depois, no entanto, uma nova família está morando na mesma casa que um dia foi de Nico. E ao arrumar os armários, uma porta secreta se abre e, nela, as fitas da criança são encontradas. É o suficiente para Vera (Adriana Ugarte) decidir assisti-las. O que não imaginava é que, ao apertar o ‘play’, estaria abrindo um portal para duas décadas e meia atrás. Em comum, apenas, é que tanto antes quanto agora, o mesmo fenômeno meteorológico se reproduzia, a tal ‘tormenta do século’. Assim, através de uma televisão que hoje seria vista como pré-histórica, ela consegue entrar em contato com Nico. Porém, assim que percebe o que está acontecendo – e, mais urgente, com quem está falando – trata de alertá-lo para os eventos que irão se suceder nos instantes seguintes, e o desfecho violento que o aguarda. Algo tão assustador quanto suficiente para que toda a história deles – e de qualquer um a quem os dois estivesse ligado durante todo este tempo – fosse alterada de forma irreversível.

Ao sair desse transe, Vera se dá conta do que fez. Ao salvar a vida de um desconhecido, perdeu tudo o que reconhecia como seu. Não está mais casada, sua filha desapareceu e nem mesmo a casa que era sua agora lhe pertence. Sua única solução? Encontrar Nico, que seguiu vivo, e descobrir, com ele, como dar uma nova ordem a esta narrativa, seja voltando no tempo ou construindo uma história até então inédita. Neste ponto, terá papel fundamental a presença do inspetor Leyra (Chino Darín), o único que parece levá-la a sério. Estaria essa mulher simplesmente inventando tudo isso? Seria mera alucinação, um sonho profundo demais? Ou, de fato, teria vivido o que alega, além de perdido aquilo que lhe era mais caro? As respostas para tantas, e intrincadas, questões, obviamente, não são fáceis de serem encontradas. Mas nem ele, e muito menos ela, parecem dispostos a desistir antes de se depararem com uma explicação que lhes seja, ao mínimo, justa.

De desenrolar longe do óbvio, cheio de momentos que soam mais digeríveis do que outros, Durante a Tormenta parece ser o resultado refinado de uma investigação de gênero de Oriol Paulo, que dessa vez apresenta um conjunto mais engendrado – e, por incrível que pareça, de melhor desenlace – do que o observado em sua obra anterior, o suspense Um Contratempo (2016). Justamente por aumentar o espectro de sua ambição – parte-se de um simples conflito policial para desmembrar-se em uma rede de intrigas, mentiras e dissimulações, acrescidas pelo manto de algo tão inexplicável quanto atraente – ele consegue demonstrar maior eficiência no controle das peças que tem reunidas sob o seu jugo. E se uma ou outra conclusão poderão parecer apressadas – ou mesmo insatisfatórias diante das expectativas levantadas – é provável que assim se apresentem de forma justificada. Afinal, quem sai na chuva, é pra se molhar. E muito melhor enfrentar uma gripe passageira por ter assumido o risco do que seguir seguro frente a uma imobilidade que nada de novo poderá oferecer.

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
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