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Sinopse

Diante da iminente guerra contra os conspiradores que destruíram sua família, Paul Atreides se une a Chani e aos Fremen. Porém, sua grande batalha é para evitar o futuro terrível que apenas ele pode prever.

Crítica

Uma vez ciente de que Frank Herbert – autor da série de livros no qual este filme se baseia – é um dos nomes fundamentais da literatura de ficção científica contemporânea e que o longa anterior (Duna: Parte Um, 2021) não só foi um imenso sucesso de público e de crítica, como também ousou em seu compromisso com uma estética bastante pessoal, que atendesse a visão do seu realizador (o canadense Denis Villeneuve, que retorna nessa continuação), sem, no entanto, ceder a uma demanda popular ou mesmo comercial, é fato que o nível de expectativas em relação a esse Duna: Parte Dois seria imenso. Mais ainda gratificante, portanto, é se deparar com uma obra superior à sua antecessora, coesa no que se propõe, ocupando-se não apenas em dar continuidade aos eventos iniciados, como também em aprofundá-los em suas consequências e significados, aumentando o espectro de sua atuação, da mesma forma como a exigência em relação à entrega dos temas envolvidos. O resultado é uma impressionante ópera espacial, um conto revolucionário digno dos admiradores do gênero, mas também com alcance suficiente para dialogar com curiosos ou recém-chegados. E ainda que padeça do mesmo mal de um O Senhor dos Anéis: As Duas Torres (2002) – ou seja, não tem início, e nem fim – tem-se aqui uma aventura independente, que pode ser apreciada pelo conjunto exposto, ainda que num cenário amplo se mostre ainda mais impactante.

Villeneuve, também autor do roteiro – ao lado de Jon Spaihts (Prometheus, 2012) – dá continuidade em sua saga exatamente a partir do ponto no qual a havia interrompido. Paul Atreides (Timothée Chalamet, que deixa de ser aprendiz para se tornar dono da própria voz) está, ao lado da mãe, a feiticeira Jessica (Rebecca Ferguson, talvez a mais impressionante em cena, o que se trata de um feito a ser levado em conta, visto o notável elenco reunido), perdido em meio ao interminável deserto de Arrakis. Os dois foram dados como mortos pelos invasores Harkonnen, e contam agora apenas com a possível ajuda dos povos habituados com toda aquela areia, conhecidos como Fremen. Eis o ponto no qual o filme torna evidente sua vontade em se distanciar do material literário – a adaptação, ainda que fiel em grande parte, é também independente em seus propósitos, promovendo mudanças importantes sempre que necessário para se alinhar a uma narrativa fluida e desprovida de distrações. Afinal, Atreides teria tudo a seu favor para seguir uma clássica ‘jornada de herói’: o líder do qual pouco se espera, mas que, por guinadas do destino, acaba assumindo responsabilidades insuspeitas, apenas para surpreender a todos que apostavam em sua derrocada ao alcançar uma árdua vitória. O caminho, no entanto, não é por ele percorrido sem que um preço seja exigido: sua presença, afinal, se manifesta como comprovação de algo há muito anunciado, antes mesmo de sua sequer existência. Seria este, portanto, um protagonista independente, ou apenas uma nova peça a ser manipulada, como tantas outras ao seu redor?

Nesse ponto, chega-se ao que de fato o filme está disposto a discutir: religião. Paul é visto como um messias, um enviado divino, anunciado pelas lendas há gerações, e que teria como missão não apenas libertar os Fremen dos subterrâneos de um planeta que lhes pertence por direito, mas também conquistar o controle de um universo viciado, dominado por ganância e corrupção, teorias conspiratórias e jogos de bastidores. Membro da casa Atreides, que foi praticamente dizimada ao chegar em Arrakis, tem pela frente diversos desafios: reconquistar seu nome, se desvencilhar da perseguição dos Harkonnen, conceder aos Fremen o que lhes é devido e superar a eterna vigilância do Imperador. Tudo isso, importante não esquecer, sob o olhar constante das Bene Gesserit, ordem mística da qual sua mãe faz parte e ele mesmo é fruto movido por uma desobediência guiada pelo amor. São elas que se julgam decisivas no rumo das coisas, desde ascensões ao poder até derrotas capazes de eliminar vestígios históricos. Sua decisão, portanto, diz respeito a aceitar o papel que lhe compete nessa disputa que há muito teve início, ou por meio de uma rebeldia típica da juventude se propor a uma virada de mesa transformadora. Mas não seriam quaisquer destes caminhos já esperados por aquelas que fizeram da prática de antever mudanças uma forma de vida?

Paul – não mais atendendo somente por este nome, mas também por Muad’Dib (seu apelido Fremen) ou Usul (batismo de guerra), o que reflete com perfeição essa personalidade dividida e prestes a se transformar – se vê entre duas mulheres: a mãe, que ambiciona alçá-lo à condição de resposta a uma demanda há muito esperada (posição que ele reluta em aceitar), e Chani (Zendaya, em participação um pouco maior do que a vista no primeiro capítulo, ainda que ínfima diante da exposição publicitária recebida pelos materiais de divulgação), aquela que escolhe como esposa e companheira, assumindo uma paixão antes apenas cogitada, mas agora concreta. É ela a peça de resistência, pois o vê somente como um homem, forte e atraente o suficiente para conquistá-la, mas não o bastante para torná-lo especial e acima dos demais. Esse triângulo de forças servirá de motor para os acontecimentos. Há o imperialismo dos conquistadores – entre Harkonnens e Atreides, os Fremens só querem ser deixados em paz – e a luta de um povo originário em busca de suas raízes. Isso inserido dentro de um contexto de controle e subjugação, uma prática de eliminar rastros pertencentes aos derrotados, ressaltando somente o discurso dos vencedores. Dentro dessa perspectiva, em qual destes lados o protagonista se encaixa? Reencontrar velhos amigos, atender chamados milenares ou ouvir as novas vozes? Um passo deverá ser dado, mas em qual direção?

Denis Villeneuve se mostra entregue a um projeto ambicioso, cujos feitos estão, felizmente, à altura dos desafios propostos. Duna: Parte Dois não é desprovido de falhas, e talvez por isso se revele ainda mais instigante e profundo, pelas proximidades e paralelos que permite estabelecer entre ficção e realidade. Chalamet – ainda mais após o incrível sucesso de Wonka (2023) – confirma-se uma vez por todas como um leading man, deixando para trás a condição de promessa, a despeito de um físico franzino e do ar juvenil. Cercado por talentos superlativos à frente e atrás das câmeras – a trilha sonora de Hans Zimmer segue como um dos pontos altos do conjunto, assim como a câmera apurada de Greig Fraser (Batman, 2022), capaz de entregar imagens tão inesperadas quanto inebriantes – o galã é o herói desse tempo, indeciso entre o peso que carrega e as responsabilidades que acumula em sua jornada. Do mesmo modo se mostra envolvido o espectador, frente a um épico de proporções gigantes, tanto pelo que exibe, como também pelo que reúne em desdobramentos e interpretações.

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
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