Crítica


6

Leitores


3 votos 4.6

Onde Assistir

Sinopse

Willowdean Dickson, é uma jovem acima do peso e bastante confiante com o próprio corpo, apesar de não ter o respeito de sua mãe, uma ex-miss. Quando se apaixona pelo atleta Bo e começa a ter inseguranças, Will decide entrar num concurso de beleza como forma de protesto.

Crítica

Quem não conhece o conto do patinho feio que, na última hora, se transforma em um cisne encantador? Bom, essa parece ser a premissa de Dumplin’, filme baseado no romance homônimo de Julie Murphy. Felizmente, a diretora Anne Fletcher consegue driblar com certa habilidade os mais convencionais clichês do gênero, deixando de lado os mais evidentes caminhos que levariam a um cenário cor-de-rosa para pisar com cuidado em um terreno não tão distante da realidade. Com isso, traz para perto da sua audiência temas mais urgentes – como empoderamento feminino e abertura a uma maior diversidade de corpos, cores e amores – ainda que faça isso atenta às mais variadas reações, sem escrachar tais decisões de forma ostensiva. Ou seja, está na direção certa, ainda que persiga essa trilha como evidente hesitação.

Dumplin’ é um apelido que pode ser traduzido como Fofinha, e é assim que Rosie (Jennifer Aniston, também produtora) se refere à filha, Willowdean (Danielle Macdonald, de Bird Box, 2018). Acontece que aquilo que parece ser carinhoso, na verdade, esconde uma crítica velada. Afinal, Rosie foi miss em sua adolescência, e desde então tem vivido em torno de concursos de beleza. Willowdean, no entanto, não se encaixa nos padrões perseguidos pela mãe. Acima do peso, a menina sempre teve como heroína a tia, que também não recusava um doce e levava seus dias ao som de Dolly Parton. Porém, com a morte da mulher que sempre foi sua referência, a menina se vê um tanto perdida. E nesse processo de se reconectar com a mulher que lhe deu a vida, acaba tomando a decisão mais ousada que já teve até aquele momento: se candidatar no mesmo concurso que tanto movimenta as expectativas de garotas muito mais magras que ela.

A questão, no entanto, é que Willowdean toma tal atitude num gesto de afronta à mãe, como uma forma de protesto pelo descaso que sempre recebeu por parte dela, sem nunca levar à sério a possibilidade de, enfim, ser bem-sucedida neste intento. Porém, as amigas que a acompanham nesse passo não pensam da mesma forma. E por mais que Millie (Maddie Baillio, de Hairspray Live!, 2016) e Hannah (Bex Taylor-Klaus, de Arrow, 2013-2019) atendam à estereótipos facilmente reconhecíveis – uma gordinha e a outra masculinizada – há também Ellen (Odeya Rush, de Lady Bird: A Hora de Voar, 2017), a melhor amiga, que é não mais do que uma garota normal, bonita, sim, mas não estonteante, que acaba por abraçar a oportunidade por simplesmente se ver diante de algo que lhe é inédito. Como ela própria diz a certo ponto: “nunca havia pensado nisso simplesmente porque só ouvia a sua voz, mas agora, escutando os outros, por que não fazer algo diferente?”. É isso, enfim, que essas meninas irão descobrir: outras possibilidades para si mesmas.

Ou seja, essa parece ser a verdadeira intenção por trás de Dumplin’: não se ver obrigada a se encaixar nesse ou naquele padrão, eximindo-se de ser a estranha do fundo da sala ou mesmo a mais bonita da turma. Tudo, no entanto, é relativo. As duas amigas, Willowdean e Ellen, ao se apresentaram em trajes de banho durante o concurso, usam maiôs com palavras estampadas que, ao serem lidas em conjunto, declaram: “every body is a swin body” (ou seja, algo como “qualquer corpo pode usar roupa de banho”). Não é que a protagonista termine esquecendo quem ela é para se encaixar nas expectativas maternas, e muito menos essa deixando de lado aquilo pelo qual sempre se dedicou apenas para satisfazer a insegurança da filha. A mensagem é que cada uma seja feliz consigo mesmo, e também com aqueles ao seu redor. No final, é só isso que conta.

Anne Fletcher está habituada a este tipo de cinema, porém, ainda que tenha se saído muito bem com A Proposta (2009), seus projetos seguintes ficaram aquém das expectativas (as comédias Minha Mãe é uma Viagem, 2012, e Belas e Perseguidas, 2015). Com Dumplin’ ela diminuiu sua exposição – trata-se de uma produção original da Netflix que não passou pelos cinemas – e, com isso, garantiu melhores resultados – tanto que o filme foi indicado ao Globo de Ouro e ao Critics Choice na categoria de Melhor Canção, para a emocionante Girl in the Movies, uma composição original de Dolly Parton – a trilha sonora é inteiramente formada por sucessos da cantora, além de sua figura ser bastante explorada em uma sequência em um bar de drag queens. Na medida certa para não ofender ninguém, o filme apenas carece de um pouco mais de rebeldia e originalidade, mais ou menos o que encontramos no primeiro trabalho da ótima Danielle Macdonald como protagonista – o selvagem Patti Cakes (2017). Mesmo assim, encontramos por aqui um discurso de apoio ao diverso e à promoção da autoestima. Elementos em falta no mercado, e, senão por todo o resto, suficientes para fazer deste conjunto digno de atenção.

As duas abas seguintes alteram o conteúdo abaixo.
avatar
é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
avatar

Últimos artigos deRobledo Milani (Ver Tudo)

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *