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Sinopse

Dois hackers invadem ilegalmente a webcam de várias mulheres. O Dr. Malévolo vai mostrar aos rapazes o que acontece com sujeitos machistas e abusadores.

Crítica

São raros os filmes em que você pode determinar o baixo nível da produção desde os primeiros segundos, quando os letreiros aparecem em tela. Dr. Malévolo (2018) – que possui dois títulos em inglês, Mr. Malevolent e American Nightmares – se inicia com uma animação simplória fazendo referência aos sistemas de informática, enquanto os nomes desfilam pela tela com alguma fonte caseira. Enquanto dois garotos hackers pirateiam webcams para espiar mulheres nuas e lésbicas se beijando, Danny Trejo hackeia os hackers e decide puni-los com uma série de histórias moralistas. O ator-fetiche do cinema B torna-se um apresentador dos contos, sem participar de fato de nenhuma deles. Assim como o narrador de The Twilight Zone, o Dr. Malévolo explica no começo o que veremos, e então retorna ao final para traduzir a moral da história. Por algum motivo, os hackers adolescentes e excitados assistem aos oito curtas-metragens sem se levantarem da cadeira nem protestarem. “É como se ele nos estivesse forçando a assistir!”, se exasperam. Ou seja, as histórias-dentro-da-história funcionam como um filme inconveniente que se vê apenas forçado, por falta de opção, torcendo para que acabe logo. Bela metáfora para o projeto como um todo.

Talvez fosse dispensável detalhar todos os problemas desta narrativa de terror: bastaria assistir a um minuto do trailer para se compreender exatamente o nível destas imagens. Ao mesmo tempo, seria impossível evitar o verdadeiro protagonista, no caso, o estilo precário e irrefletido, semelhante à brincadeira de estudantes do audiovisual em sua primeira experiência cinematográfica. Os diretores Rusty Cundieff e Darin Scott, dirigindo quatro episódios cada um, nunca sabem ao certo onde posicionar a câmera, em qual profundidade filmar. Cada segmento é surpreendentemente mal iluminado, sobretudo no que diz respeito à pele dos atores negros, enquanto as passagens de tempo se reduzem a fades mal aplicados. Os recursos de maquiagem e efeitos visuais são amadores, assim como os figurinos, a trilha sonora e a continuidade. Os diretores obviamente assumem a sua má qualidade, o que poderia produzir bom teor crítico – a exemplo das produções da Troma. No entanto, embora sublinhem a pobreza dos recursos, jamais os exageram ao ponto de ridicularizá-los. Por isso, não se encontra o humor autorreferente esperado de uma paródia: o aspecto mais incômodo desta experiência consiste no fato de não funcionar nem como humor trash, nem como história de terror.

A indefinição nasce da curiosa abordagem política dos cineastas. Os segmentos são focados em pequenas fábulas punitivistas, onde homens muito maus sofrem uma vingança do destino. O formato curtíssimo permite aos cineastas não desenvolverem nenhum personagem: o padre explorador, o supremacista branco, o marido espancador, o político corrupto, os sequestradores e o radialista misógino são apresentados enquanto tais desde a primeira cena, para em seguida serem torturados das mais diversas maneiras. Dr. Malévolo acredita estar tecendo um comentário profundo sobre a violência contra a mulher, no entanto, sua visão de mundo é tão simplificada que não fornece qualquer debate ao espectador progressista que busca conquistar. O roteiro se encerra numa discussão de bar: machistas são seres desprezíveis e merecem ser punidos por isso. Certo, concordamos. Mas de onde vem o machismo? De que modo ele se sustenta, e quais estruturas o reforçam? Como se modificou ao longo do tempo? Que punições legais convêm neste caso? Nada disso é sequer cogitado pela multiplicação de histórias de lobos maus que morrem no final. Então Danny Trejo aparece, solta uma risada assustadora, apresenta a história seguinte, e retoma-se mesmo discurso.

O teor avesso ao conservadorismo – os personagens desprezíveis têm fotos de Donald Trump dentro de suas casas – revela-se contestável. Primeiro, pelo ponto de vista: quem conta a história, e para quem? Danny Trejo introduz os contos, porém sugere estar replicando as histórias da Mística (Nichelle Nichols), enquanto os garotos hackers acreditam que as histórias foram feitas para eles e por causa deles, tornando-se coautores involuntários das matanças. Não há um protagonista, nem mesmo um olhar definido, algo particularmente perigoso num filme de acusações políticas. A história sobre o aborto se vinga de antiabortistas, mas faz questão de frisar que a mulher grávida só pode ser perdoada porque o bebê é fruto de um estupro. Ela não poderia interromper a gestação caso não tivesse sido violentada? Em outro momento, o diabo é retratado como um homem negro, e a mulher sem voz alguma é asiática. Dr. Malévolo critica constantemente os maus-tratos contra mulheres, mas sempre mostra os corpos nus das mulheres em tela, reduzindo-as à posição de fetiches ou de vítimas. As personagens femininas jamais assumem o controle de seus próprios destinos – vide o desfecho da personagem grávida – porque os vilões são convenientemente eliminados antes disso.

Por fim, o resultado é prejudicado não apenas pelo nível fraco da produção, mas pela incapacidade de fornecer uma reflexão sobre os importantes temas que aborda. O roteiro se assemelha a um primeiro tratamento, talvez inspirado nos pesadelos de The Twilight Zone e Black Mirror, sem perceber que o interesse destes dois projetos resultava da decisão de não explicar todos os seus acontecimentos nem elucidar seus impasses. No filme de 2018, ao contrário, a lição de moral possui uma transparência infantil. No entanto, havia potencial para desenvolver as críticas sociais, para aprofundar o ridículo (o pênis-faca do palhaço poderia ser curioso caso fosse utilizado de fato) ou para insistir no terror (o culto xamânico das lésbicas, a menina morta no armário, a arma que mata sem deixar traços). Entretanto, os diretores se equivocam tanto no tom que traduzem as próprias piadas, algo impensável no humor (o trocadilho “White Forks” e “White Folks” no segmento sobre supremacistas brancos), e sabotam a tensão nas cenas de terror ao revelarem cedo demais a luz que se acende num armário vazio, ou o caráter assustador de um vilarejo gentil. Dr. Malévolo ainda tem coragem de fazer referência a O Iluminado (1980), com a tradicional cena da porta do banheiro, já bastante desgastada dentro da cultura pop. Pelo ritmo, o resultado provoca tédio, e pela direção, constrangimento.

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Crítico de cinema desde 2004, membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema). Mestre em teoria de cinema pela Universidade Sorbonne Nouvelle - Paris III. Passagem por veículos como AdoroCinema, Le Monde Diplomatique Brasil e Rua - Revista Universitária do Audiovisual. Professor de cursos sobre o audiovisual e autor de artigos sobre o cinema. Editor do Papo de Cinema.
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