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Sinopse

Depois de marcar um encontro com uma desconhecida do outro lado da cidade de Nova Iorque, nos Estados Unidos, um sujeito come o pão que o diabo amassou numa noite repleta de loucuras e reviravoltas.

Crítica

Digo que meu filme preferido de Martin Scorsese é Depois de Horas. O meu interlocutor emudece, contrai a face, suspeita silenciosamente do meu juízo para filmes – creio que para outras coisas mais – e muda de assunto. Eu me acostumei a não falar sobre Depois de Horas porque as pessoas se acostumaram a não falar sobre o filme; se acostumaram a não assisti-lo. Minto ao afirmar que o filme é o meu preferido. Prefiro Taxi Driver (1976) a toda a filmografia. Travis Bickle e a Nova York noturna me comovem. Mas quando digo Depois de Horas, provoco. Provoco não apenas a memória, mas o óbvio.

Depois de horas é o filme menos Scorsese realizado pelo diretor. Poderia ter sido filmado por David Lynch e quase o foi por Tim Burton. A viagem de Paul Hackett (Griffin Dunne) pelo bairro de Soho atrás da bonita Marcy Franklin (Rosanna Arquette) tem uma motivação banal, quase masculina demais, mas nos envolve em um mundo de camadas densas e imprecisas.

Na cena inicial, Paul treina um estagiário. Ingênuo, o iniciante diz que o cargo é temporário, pois o que ele quer é ser editor de uma revista de debates intelectuais. A câmera fecha em Paul. Assim como em Taxi Driver, o protagonista aqui não é ninguém especial. O reles processador de texto sabe que a redação é a sua vida. A glória não pode chegar a todos, e no fundo não chega a quase ninguém, ainda que os outros sempre pareçam vencedores. Quase tudo é uma questão de sorte, não de talento.

Sorte que Paul acha ter ao encontrar Marcy. A garota se interessa pelo livro que ele lê, deixa o telefone e desaparece. Ele localiza o apartamento da garota, que o convida para encontrá-la. Scorsese jamais recriou um drama psicológico parecido; jamais voltou a usar uma câmera tão inquieta, com travellings circulares, planos de detalhes e subjetivos. A trilha circular simulando a inquietação do tempo claustrofóbico é angustiante. Angustiados, compartilhamos do sentimento do protagonista. Somos igualmente aprisionados a esse mundo grotesco e sem causas, apenas com consequências.

Por mais que se esforce, Paul não consegue retornar para casa. A noite da cidade símbolo da América é um personagem à parte. As calçadas são sua Tróia insuspeitada, infinita. Como o personagem de O Processo (1962), está fadado à culpa. Assim como Travis ao som de Bernard Herrmann, ele é o homem contra o mundo. Sozinho contra o mundo, o melhor é ter muita sorte.

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é crítico de cinema, membro da ACCIRS - Associação dos Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul, e da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Tem formação em Filosofia e em Letras, estudou cinema na Escola Técnica da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Acumulou experiências ao trabalhar como produtor, roteirista e assistente de direção de curtas-metragens.
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