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Sinopse

Em busca de audiência, uma equipe de desajeitados investigadores de paranormalidade vai à casa conhecida como a mais assombrada do México. Quando os verdadeiros segredos do lugar são revelados, o time percebe que está em perigo. Com zero habilidades para lidar com fantasmas, terão que descobrir como escapar da mansão com vida.

Crítica

Esta comédia de terror não possui o melhor dos começos: ao invés de apresentar seus personagens para em seguida aumentar progressivamente o tom do humor, ele parte do ápice da paródia para só então descobrirmos quem são os personagens. O roteiro se inicia com a ficção-dentro-da-ficção, ou seja, um programa sensacionalista em que o apresentador Sam Whitner (Chris Geer) investiga a presença de fantasmas e combate os seres sobrenaturais. A ideia de brincar com a televisão de baixo nível pode render bons frutos, mas o filme está mais preocupado em ressaltar o ridículo do humor autorreferente do que estabelecer paralelos com programas existentes. Assim, os atores atuam muitos níveis acima do realismo, enquanto o exorcismo de um fantasma revoltado com uma receita de cupcakes torna-se um pastiche do terror pouco frutífero. Os personagens gritam, correm de um lado para o outro enquanto os efeitos visuais beiram a aleatoriedade. Caçadores das Almas Perdidas (2018) parte da paródia da comédia de terror, antes de estabelecer a comédia de terror de fato. Por isso, soa imediatamente adolescente, juvenil.

Esta impressão é reafirmada por um humor regressivo, do tipo que se deleita com a escatologia (o vômito esverdeado à la O Exorcista, 1973), insinuações sexuais simples (o fantasma colocando a mão nos peitos da mocinha, outro morto-vivo se esfregando na mesma personagem) e com uma espécie de espetacularização da autoimagem digna dos tempos de YouTube, redes sociais e influenciadores digitais. O programa de televisão deste falso grupo de caça-fantasmas não possui diretor, equipe de som nem de iluminação, e o roteiro impresso nunca é seguido por nenhum deles. Sam apenas filma a si mesmo em performances improvisadas, antes de sair do personagem e voltar à encenação no mesmo plano. Enquanto brincadeira com o universo do cinema, o resultado interessa pouco pela desconexão com sets de filmagem minimamente verossímeis. As produtoras (interpretadas por Tina Ivlev num primeiro momento, e Martha Higareda mais tarde), têm pouco a fazer neste cenário bagunçado em que cada efetua a tarefa que deseja. O diretor e roteirista Tony West nunca define ao certo o foco de sua paródia dentro no universo de cinema: ele estaria mirando nas hierarquias entre funções? Na falta de organização? Na falsidade inerente à ficção?

A linguagem cinematográfica, que poderia ser utilizada para aprofundar a sátira, permanece acadêmica, sem qualquer uso paródico movimentos de câmera ou enquadramentos, por exemplo. A montagem revela-se falha em sua passagem de tempo ou exploração do espaço da mansão. A editora Nicole West chega a usar recursos muito fracos como se aproximar da camisa escura de um personagem até o a imagem escurecida se converter num corte. O problema é que tanto a comédia quanto o terror necessitam de tempos muito específicos, com os quais a montagem tem dificuldade de trabalhar: o primeiro necessita agilidade e precisão nos cortes, enquanto o segundo exige a dilatação temporal para criar suspense e manter a tensão. É difícil trabalhar com ambos num mesmo registro, e por isso os tons soam desequilibrados: a comédia às vezes parece lenta demais – os personagens passam metade da narrativa discutindo se os fantasmas são reais ou não -, enquanto o terror em si não provoca qualquer tipo de fricção por ser apresentado como algo ridículo desde o primeiro momento. Outras comédias de terror tiveram mais sucesso ao passar gradativamente do patético à seriedade (vide A Bruxa de Blair, 1999, que também brincava com a autofilmagem) ou, pelo contrário, do sério ao cômico (A Maldição da Chorona, 2019). Ora, Caçadores das Almas Perdidas cria um curto-circuito por tentar, ao mesmo tempo, ser engraçado e amedrontador.

O filme melhora a partir do momento em que os mortos-vivos deixam de ser meras assombrações com maquiagem carregada demais para se converterem em personagens com vontades próprias e passados distintos. Quando um membro da equipe se converte em fantasma, isso permite que os dois universos – o dos americanos arrogantes e incultos contra o dos mexicanos supersticiosos e pouco civilizados – se encontrem de maneira mais orgânica. As máquinas e apetrechos utilizados para ver e escutar os mortos jamais possuem qualquer lógica, porém servem a quebrar alguns clichês do gênero. Rumo ao clímax, a comédia consegue brincar com os estereótipos de cenas de exorcismo, com a figura de criancinhas assustadoras e também com a suposta monstruosidade das mães superprotetoras. O filme não chega a fornecer nenhuma subversão digna desse nome, mas ao menos desenvolve as bases dramáticas naturalistas antes de brincar com as mesmas. Ao invés de parodiar o sensacionalismo da televisão, o filme permite enfim parodiar a si mesmo, sua própria estrutura enquanto ficção de baixo orçamento, o que traz resultados mais interessantes.

Ao final, a narrativa ainda faz questão de redimir o protagonista arrogante, que obviamente se tornará um namorado gentil e um ser humano preocupado com os demais após a experiência traumática na casa. A ideia de que toda a tragédia seja construída para ele, de modo a fazer de Sam uma pessoa melhor, soa questionável. Outros fatores poderiam ser mencionados, como o uso amador de efeitos digitais e o desprezo por alguns personagens mortos pelo caminho. O humor pretende desculpar estas incoerências, como se a comédia não tivesse real responsabilidade com a produção de sentido. Mesmo assim, dentro de seu formato modesto, consegue ridicularizar algumas das artificialidades típicas do subgênero bastante codificado do terror sobrenatural. A união entre as culturas norte-americana e mexicana também traz certo diferencial, uma vez que os latinos não se limitam aos empregados e coadjuvantes, tornando-se elos possíveis de comunicação entre os vivos (representados pelos Estados Unidos) e os mortos (os mexicanos). Quanto à possibilidade de uma sequência, lançada ao final, ela pode ser lida como sátira às continuações caça-níqueis, ao invés de uma proposta de continuidade de fato.

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Crítico de cinema desde 2004, membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema). Mestre em teoria de cinema pela Universidade Sorbonne Nouvelle - Paris III. Passagem por veículos como AdoroCinema, Le Monde Diplomatique Brasil e Rua - Revista Universitária do Audiovisual. Professor de cursos sobre o audiovisual e autor de artigos sobre o cinema. Editor do Papo de Cinema.
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