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Sinopse

Um jovem aciona acidentalmente uma máquina do tempo construída por um cientista em um Delorean, retornando aos anos 50. Lá conhece sua mãe, antes ainda do casamento com seu pai, que fica apaixonada por ele. Tal paixão põe em risco sua própria existência, pois alteraria todo o futuro, forçando-o a servir de cupido entre seus pais.

Crítica

O protagonista de De Volta para o Futuro, Marty McFly (Michael J. Fox), é um adolescente como outro qualquer. Sonha em viver de música, mas é inseguro em relação aos seus talentos como guitarrista. Adora andar de skate pelas ruas de Hill Valley, ainda que o bendito não o ajude a chegar na hora ao colégio. Tem uma bela namorada (Claudia Wells), com quem tem um relacionamento mal visto pela mãe (Lea Thompson), que enxerga na menina uma pessoa atirada demais. E percebe cada vez mais no pai (Crispin Glover) uma falta de coragem que não gostaria de carregar em si. Um jovem comum. Com uma pequena diferença, no entanto.

Marty tem um amigo bem mais velho que teve uma visão depois de levar uma pancada na cabeça há muitos anos: o capacitor de fluxo, uma geringonça que torna possível a viagem no tempo. Empregando toda a fortuna da família e trinta anos de sua vida, o doutor Emmet L. Brown (Christopher Lloyd) consegue realizar seu maior objetivo sob os olhos atônitos de Marty. Transformou um carro Delorean em uma máquina do tempo e pretende viajar para o passado e o futuro ao seu bel prazer. Um contratempo impede o doutor de embarcar nesta experiência e quem ocupa o seu lugar é Marty que, sem querer, vai parar em 1955. Lá, o rapaz interfere no primeiro encontro de seus pais colocando em risco sua própria existência. Para consertar o erro e voltar para seu lugar no tempo, Marty precisará da ajuda da versão mais jovem de seu amigo cientista.

Para muitos, o texto acima pode ser completamente supérfluo dada a popularidade do filme. Mas quando lembramos que o longa-metragem completará 30 anos em 2015, nos damos conta de que toda uma geração pode não ter conhecido a trama engraçada, cheia de aventura e com toques de ficção científica criada pelo roteirista Bob Gale ao lado do outro Bob, o cineasta Robert Zemeckis. Para esses e para os tantos amantes da saga de Marty McFly e Doc Brown, a boa notícia é que De Volta para o Futuro é um daquelas produções que simplesmente não envelhecem. O sentimento de diversão e engajamento propiciado pelo filme se mantém igual a cada nova conferida. Isso talvez explique a longevidade e o carinho que os fãs sentem por esta aventura.

Não foi fácil tirar do papel De Volta para o Futuro. O roteiro foi recusado por diversos estúdios. Alguns rotularam o script como comportado demais, em uma época em que comédias como Porky’s (1982) faziam grande sucesso. Outros, leia-se Disney, achavam a trama um tanto doentia, com a mãe do rapaz se apaixonando por ele quando este volta no tempo. Com uma mãozinha do produtor executivo Steven Spielberg, Gale e Zemeckis viram sua história achar um lar no Universal Studios. Começava então a busca pelo elenco. Eric Stoltz foi escolhido para viver o protagonista e chegou a gravar boa parte do filme. O diretor, no entanto, não estava convencido de que o jovem rapaz havia sido uma boa escolha. O texto simplesmente não brilhava quanto devia. Solução: demitir o ator e chamar outro, um que estava na lista desde o começo, mas estava indisponível por trabalhar em um seriado de sucesso. Este alguém era Michael J. Fox, um nome conhecido na tevê por causa da série Family Ties, e que teve de viver uma verdadeira maratona para encarar as gravações concomitantes do seu trabalho na televisão e o que viria a ser o seu maior sucesso nos cinemas.

A decisão de Robert Zemeckis fez toda a diferença no que viria a ser De Volta para o Futuro. Michael J. Fox tem uma empatia inata, uma forma de cativar o espectador que faziam dele a escolha perfeita para o boa gente Marty McFly, aquele adolescente comum citado no início deste texto. Para que o público viajasse com Marty, teriam que gostar dele incondicionalmente. E isso acontece através da ótima performance do jovem ator.

Ajuda o fato de Michael J. Fox contar com um parceiro à altura em Christopher Lloyd. O doutor Brown é a figura que explica toda a trama ao espectador sem entediá-lo com diálogos obviamente expositivos. É uma figura amalucada, sem sombra de dúvidas, mas um sujeito com quem se pode contar e confiar. Os dois atores são a base do filme, que ainda conta com ótimas performances do elenco coadjuvante. Lea Thompson dá à garota sonhadora comum uma dubiedade interessante, mostrando que nem sempre uma senhora carola pode ter sido pudica no passado. Crispin Glover faz bem a transformação de seu personagem, um jovem covarde em uma pessoa que finalmente defende a si mesmo, numa das mais cativantes viradas de roteiro da década de 1980. E, finalmente, Thomas F. Wilson vive o bully Biffy Tannen, um rapaz que se coloca no caminho da família McFly mais tempo do que deveria – papel que cresce muito no decorrer da trilogia.

Hill Valley é a cidade onde os acontecimentos se desenrolam e é uma personagem por si só. Construída nos fundos dos estúdios Universal, ganha transformação impressionante. Em 1955, limpa, bela, ordeira. Trinta anos depois, o tempo se mostra implacável. Sujeira, pichações, depredações. É possível notar grande esmero da direção de arte na construção daquele ambiente, o que faz toda a diferença quando comparamos as “duas” Hill Valley. Outro personagem que não tem vida, mas tem muita importância, é o Delorean. Uma máquina do tempo móvel, um carro diferente que não fez lá muito sucesso quando lançado, mas que ganhou novo fôlego depois do êxito do filme. Muito do charme de De Volta para o Futuro reside na sua máquina do tempo com as portas-gaiola e com todos os seus botões piscantes.

Tudo isso não seria suficiente para segurar o interesse do público se não existisse uma boa história. Quem nunca quis voltar no tempo? Corrigir um erro ou poder observar o que aconteceu, sendo testemunha de um passado que não viveu? Sabendo dessa vontade humana de consertar o impossível, Bob Gale e Bob Zemeckis criaram uma trama que poderia ser identificável para qualquer pessoa: e se fosse possível ver seus pais quando jovens, observando-os fazendo tudo o que sempre disseram que era errado? Uma oportunidade única que Marty McFly acaba vivenciando e, com isso, sem querer, quase extermina sua própria existência. Os roteiristas foram espertos o suficiente em criar as regras daquele universo e explicar de forma convincente como tudo funciona.

Lembrado à época como um arrojado filme de efeitos visuais, De Volta para o Futuro consegue manter-se bem aos olhos das plateias atuais – com raras exceções, como a mão transparente de Marty durante o concerto de rock no terceiro ato. Mas não são apenas de efeitos que Robert Zemeckis nos brinda. O cineasta comandou uma das sequências de ação mais bacanas daquela década, com o doutor Brown tentando desesperadamente fazer com que um raio chegue ao Delorean no tempo exato para mandar Marty de volta para o futuro. Toda ela orquestrada com cortes precisos, uma atuação perfeita de Christopher Lloyd e a inesquecível música tema de Alan Silvestri. Falando em música, a trilha tem boas canções criadas por Huey Lewis and the News, uma inventiva brincadeira com Johnny B. Goode, com Marty criando o rock, além de canções menos conhecidas de Eric Clapton e Lindsey Buckingham.

Dando origem a duas sequências de qualidade, em 1989 e 1990, De Volta para o Futuro é uma aventura divertidíssima, que mexe com o imaginário do espectador enquanto costura sua trama com cada elemento estando em seu devido lugar ao final. Um filme que diverte plateias há quase trinta anos, mostrando ter vencido a prova do tempo. Para uma produção que tem nas viagens temporais seu principal mote, esta é uma qualidade imprescindível.

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é crítico de cinema, membro da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul. Jornalista, produz e apresenta o programa de cinema Moviola, transmitido pela Rádio Unisinos FM 103.3. É também editor do blog Paradoxo.
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