Crítica


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Sinopse

Entre a realidade e a ficção, a atriz Romina Paula faz um experimento cinematográfico e decide simplesmente deixar câmeras apontadas para o seu cotidiano familiar. Ao lado de sua mãe e de seu filho, ela retorna às raízes para tentar se conectar com o seu passado e entender quem ela é de verdade.

Crítica

A atriz, e agora também diretora, Romina Paula utiliza em cena aqui, além do nome de batismo, seu filho e sua mãe, assim aproximando registros ficcional e documental. Parte vital desse âmbito é a não criação de cisões visíveis entre realidade e encenação, desse modo conferindo sabor autêntico ao filme que transcorre abordando questionamentos relacionados, principalmente, à família e maternidade. A protagonista visita a mãe em Buenos Aires, dando um tempo na relação com o namorado que mora em Córdoba. Nesse retorno aos cenários da infância e juventude – ainda que os percursos sejam mantidos envoltos numa névoa de indeterminação –, ela traz a tiracolo a criança fruto do amor que não sabe se resistente às intempéries do casal. De Novo Outra Vez oscila, às vezes demasiadamente, entre as indagações que sobrevém aos atos cotidianos e as introduções de bons elementos, tais como os depoimentos diante de projeções a fim de oxigenar a narrativa.

Fotografias antigas passam como slides na tela enquanto Romina enfileira perguntas que demarcam sua sensação de insatisfação ocasionalmente ambígua. O dado positivo é a fuga de certas convenções que tangem a uma personagem feminina, na casa dos trinta anos, experimentando crises fundamentadas em seu papel de mulher nessa sociedade ainda falocêntrica. As problemáticas são postas, mas não de modo a configurar blocos temáticos, de apresentação didática. Todavia, a sensação de estagnação, de que a trama está basicamente empacada em certos núcleos basilares, depõe contra a fruição do conjunto, ainda que não a deteriore de todo. A repentina investida da jovem contra o aluno de alemão, sem mais aquela, é um dos indícios da falta de consistência de alguns direcionamentos e desdobramentos. Os testemunhos levemente descolados da linha geral funcionam quando revelam os vários personagens, o que não acontece em todas as inserções.

De Novo Outra Vez ganha pontos quando disposto a encarar a hereditariedade e as responsabilidades assumidas a partir da maternidade, mas os coloca em risco ao esquadrinhar apaticamente a confusão da protagonista quanto à sua vida amorosa, especificamente a falta de compreensão acerca dos rumos do relacionamento mantido com o homem que a interpela mecanicamente pelo telefone. A sequência da festa, com Romina demorando-se a chegar, custando a soltar-se e, por fim, saindo de fininho para voltar aos cuidados do pequeno Ramón é sintomática, mas encenada com uma frouxidão que enfraquece seu porquê. A despeito dessas fragilidades contidas na tessitura do longa, ele possui uma leveza peculiar, ainda que mediada pela melancolia comum aos filmes argentinos lidando com personagens nessa faixa etária e passando por problemas semelhantes. Os dilemas, bem como a forma de encara-los, são orgânicos, de fácil assimilação.

O fato da mãe de Romina falar com ela somente em alemão cria circunstâncias curiosas e gera a brecha para a exposição da ascendência propiciada pelos fugitivos germânicos da Primeira Guerra Mundial. A cineasta, nesse processo de investigação com partículas de realidade – embora não sejam claros os pontos de costura entre a ficção e o documentário –, traz à tona incertezas praticamente universais, como isso de se ver diante de uma provável falência conjugal e lutar contra as evidências, nem tanto por amor, mais em virtude de uma engrenagem anterior àquilo tudo. Mesmo sendo perceptível uma voz de personalidade singular na condução do filme, essa força não é suficiente para maquiar as debilidades do percurso estabelecido pelo roteiro, vide o excesso de intrusão de componentes como as mencionadas falas diante de imagens projetadas. A maternidade posta em xeque é uma ótima potencialidade, mas trabalhada sem sempre bem para sustentar as interrogações.

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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.

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