Crítica


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Sinopse

Uma jovem DJ bielorrussa tem o desejo de viajar aos Estados Unidos para ser reconhecida por seu talento. Todavia, por conta de um erro, seu visto é negado. Isso a faz perseguir com mais determinação seu sonho norte-americano.

Crítica

O ano é 1996, e as estátuas de Lênin já se tornaram peças meramente decorativas em Minsk, na Bielorrússia. Não apenas no museu onde a mãe (Svetlana Anikey) trabalha, mas também no clube onde Velya (Alina Nasibullina), a protagonista de Crystal Swan, se apresenta como DJ. Realizando seu primeiro longa-metragem, a cineasta Darya Zhuk retrata a sua terra natal numa época de transição, um breve período de real autonomia entre o fim da União Soviética e o início dos consecutivos mandatos do presidente Alexander Lukashenko, governante do país até hoje. Dentro deste cenário, Velya sintetiza o desejo de parte da juventude bielorrussa à época – incluindo o desejo, realizado, da própria Zhuk – de partir para o Ocidente. No caso de Velya, o destino idealizado é Chicago, cidade norte-americana com uma crescente cena de música eletrônica nas décadas de 80 e 90, e berço do house, sua vertente favorita.

É com um leve traço autobiográfico, portanto, que Zhuk – erradicada no EUA, onde estudou economia antes de adentrar o universo cinematográfico – apresenta a jornada de Velya na busca pelo visto estadunidense. Para isso, a personagem acaba recorrendo ao “mercado paralelo” para conseguir um documento comprovando que possui um emprego fixo e, consequentemente, vínculos estáveis que garantam o seu retorno após a viagem declarada como turística. Com o documento em mãos e tudo aparentemente encaminhado, surge, então, o dilema que impulsiona a trama: o número de telefone anotado, e para o qual o consulado irá ligar, confirmando que Velya está empregada, é um número residencial, pertencente a uma família do interior. Assim, a jovem embarca em uma viagem até a pequena cidade de Crystal para pedir aos donos da linha telefônica que a deixem receber a ligação e, assim, confirmar sua mentira.

Com esta viagem, Zhuk coloca Velya tanto no centro de um panorama da realidade transitória da época quanto em um mergulho nas tradições locais. Se em Minsk a personagem já se sentia algo deslocada – vide a cena do ônibus em que é chamada de “aberração”– no vilarejo, cuja existência gira em torno da fábrica de peças de cristal para exportação, ela vive a experiência de um choque cultural mais intenso. É dentro da família dona do telefone que se encontra a principal figura de oposição à Velya, o filho mais velho, Stepan (Ivan Mulin), que acaba de deixar o exército e está prestes a se casar. Enquanto a garota representa o espírito libertário de renovação, que mira o exemplo ocidental, Stepan incorpora justamente o conservadorismo, o apego aos antigos modelos. Alguém que sente falta da vida militar, onde “tudo era mais simples, todos respeitavam as regras e sabiam exatamente o que fazer”. Mesmo que estas regras incluam os abusos sofridos pelos novatos, como o próprio. 

Fora desse habitat controlado é Stepan quem se mostra mais perdido diante do pós-União Soviética, em contraste com Velya, que segue determinada e focada em seu plano, mesmo que os caminhos para sua realização apresentem mais percalços do que o previsto. Sobre esses obstáculos, Zhuk lança um olhar cômico, sempre carregado de ironia, mas oferecendo algumas mudanças de tom que subvertem as expectativas. Após um início mais leve, até mesmo despretensioso, acompanhando o dia a dia de Velya e as etapas de seu plano para conseguir o visto, o longa adentra o terreno da observação sociológica mais profunda, conforme a personagem se insere no cotidiano da família de Stepan. Desta forma, a trama ganha nuances culminando em um ato final no qual o peso histórico, dos costumes enraizados, se impõe sobre os desejos da protagonista.

Essa metamorfose de Crystal Swan é construída por Zhuk de modo externamente natural, trazendo uma forte carga metafórica – a relação problemática coma mãe que reflete a relação com pátria, as imagens da fábrica de cristais, símbolos ao mesmo tempo da tradição e da fragilidade do presente – e também um notável apuro estético, com os tons vivos das roupas de Velya em contraste com a sobriedade da arquitetura soviética. Ou ainda no bom uso da janela reduzida, mais quadrada, que não só remete à estética dos anos 90, mas também possui função alegórica, como se aprisionasse a protagonista nesta realidade, impedindo sua fuga. Algo que condiz com a resolução criada pela diretora para seu conto feminino, e feminista, capitaneado por uma atuação vigorosa e cativante de Nasibullina, que transmite de modo genuíno toda a ânsia por mudança, carregada de certa ingenuidade, típica da juventude, mas que acaba abafada pela mão patriarcal da sociedade em sua faceta mais abominável. Um choque de realidade de efeito transformador para Velya, que Zhuk retrata em notas melancólicas, parecendo crer que a esperança na possibilidade de mudança para seu país não passou de um suspiro, um devaneio de colorido pulsante, embalado pela batida da house music.

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é formado em Publicidade e Propaganda pelo Mackenzie – SP. Escreve sobre cinema no blog Olhares em Película (olharesempelicula.wordpress.com) e para o site Cult Cultura (cultcultura.com.br).
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