Crítica


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Sinopse

Nelly mora com sua mãe adotiva numa pequena cidade do interior da Suécia. A rotina muda quando a sua mãe biológica, dona de um salão de beleza na capital, reaparece decidida a retomar a maternidade antes abdicada.

Crítica

O que esperar de um primeiro filme? Certa imaturidade e, quando muito, boas ideias. Claro, há sempre as exceções, gente que consegue realizar algo de beleza reconhecível e admirável em meio a insegurança natural da estreia. Crise é o longa inaugural da carreira de Ingmar Bergman, o abre-alas de uma obra inquestionável. Sua história fica entre as intrigas próprias dos folhetins e a busca por uma densidade não vista com frequência. A chegada de Jenny à cidadezinha perdida no interior da Suécia mostra mais que o contraste evidente de sua face calejada (por força da metrópole) e aquela calmaria toda. A mulher de meia idade vem reclamar a maternidade de Nelly, jovem de 18 anos consciente de sua adoção pela professora de piano Ingeborg.

De tal conflito surge uma série de desdobramentos, como era de se esperar. A mãe adotiva se aflige com a iminente perda da filha, menos para a progenitora biológica do que para os encantos da localidade central, repleta de possibilidades e perigos. De início alheia ao turbilhão vindouro, Nelly é cortejada por Ulf, homem mais velho derretido de amores ante sua beleza jovial e, em breve, será tentada pela ideia da mudança e do mesmo modo por Jack, ator desempregado que mantém caso de recíproco usufruto com Jenny. Sim, a trama é mesmo rocambolesca.

Alguns elementos de Crise servem de refresco sem maiores desdobramentos, como a frequência com que Ingeborg pede dinheiro emprestado (e não paga). Já outros, evidenciam a ourivesaria de Bergman. Bom exemplo disso é a insistência da mesma Ingeborg em lançar Nelly aos braços de Ulf, expediente percebido, primeiro como tentativa egoísta de enraizar sua filha na cidade pequena, mas logo e sutilmente (a mãe é também receptiva ao galanteador Jack) elevado à nobre preocupação com o futuro da menina. Bergman trabalha bem as diferenças entre o cotidiano cosmopolita e o dia a dia campesino, ainda que não se atenha com afinco ao embate. O diretor, aliás, e como de costume, está mais preocupado em fazer aflorar sentimentos, ou seja, se volta completamente aos personagens.

Crise não é dos memoráveis filmes de Bergman, mas tal afirmação se configura em tremenda injustiça deliberada do crítico, que o sabe consanguíneo de longas como Gritos e Sussurros (1972), Persona: Quando Duas Mulheres Pecam (1966), Morangos Silvestres (1957) e O Sétimo Selo (1957), entre outras tantas pérolas. Verdade seja dita, tirando algumas inconsistências, é muito interessante a dinâmica do crescimento afetivo e emocional de Nelly, partida uma e regressa outra. Nessa figura, dividida entre a mãe e o futuro na capital, podemos, com boa vontade, ver embrião da libertária Monika, protagonista de Mônica e o Desejo (1953), pois, de maneira semelhante, ela quer expandir-se para além dos grilhões impostos socialmente (comportamento pouco atribuído às mulheres da época). E como não evocar Charlotte e Eva, de Sonata de Outono (1978)¸ quando vemos a mãe ao piano? Ligações (provavelmente forçadas) à parte, Crise vale o quanto pesa sozinho.

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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.

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