Crítica


10

Leitores


Onde Assistir

Sinopse

Em uma casa no campo uma mulher está bastante enferma e recebe cuidados de suas duas irmãs e de uma empregada da família, que precocemente perdeu sua filha e por isso extravasa seu amor de mãe dando o maior carinho possível para aquela moça tão debilitada. Dentro deste contexto lembranças, frustrações e imaginações em um misto de amor e ódio surgem no interior de cada pessoa.

Crítica

A agonia da personagem Ágnes (Harriet Andersson) retrata a impotência diante da morte. Como o próprio Ingmar Bergman define em Lanterna Mágica, sua autobiografia, Gritos e Sussurros é o filme em que “o morto não pode morrer, então é obrigado a perturbar os vivos”. Não apenas esta mulher é o centro dos conflitos do longa, mas seu estado, o que ele provoca em suas duas irmãs, e, consequentemente, a relação familiar repleta de nuances, são os elementos que movem esta que é uma das obras-primas do cineasta sueco.

A sinopse é básica: Ágnes está com câncer em fase terminal e passa os últimos momentos com suas duas irmãs, Karin (Ingrid Thulin) e Maria (Liv Ullmann), sob os cuidados da fiel criada Anna (Kari Sylwan). A convivência gera a efervescência de sentimentos e questões há muito não resolvidos dentro da família. Conhecido por muitos pelo trecho em que Karin mutila a própria genitália e depois esparrama sangue pelo rosto, o filme de Bergman vai muito além da polêmica. A tal cena é nada menos do que a própria imaginação do cineasta se transformando em realidade (se assim podemos chamar). Se por toda a vida ele acreditou que o interior físico e emocional das pessoas era de cor vermelha, como não interpretar o visto como a exteriorização da alma feminina através da dor? Pois esta dor parece ser o que permeia a relação das três irmãs, que se uma hora estão unidas, em outras não se suportam. São elas a alma condutora da narrativa.

Nos close ups que o cineasta sueco impõe, revela-se, ou tenta-se descobrir, os sentimentos que estão para aflorar através das expressões ou da falta delas, intencionalmente implícitas. Para auxiliar ainda mais esta busca do dito pelo não dito, o diretor de fotografia Sven Nykvist utiliza tons de vermelho, preto e branco, que criam uma atmosfera quase fantasmagórica e atemporal. A narrativa pode ter seu tempo e local definidos (a Suécia do início do século XX), mas o que se vê na tela vai além, transformando a história não só para que o espectador se sinta parte dela, mas também para que entenda o porquê de, mesmo usando muitos planos abertos que dimensionam onde estão as irmãs, tudo parece favorecer à claustrofobia. Isto não pelo simples medo de estar confinado com pessoas pelas quais não se sabe o que sentir, e sim pelo pavor de como o tempo destrói tudo, dos sonhos a amores, do trabalho à própria vida. Não à toa o incessante som dos ponteiros do relógio acentua como a fragilidade da esperada morte está próxima, causando mais terror do que uma produção de suspense.

Quando o clímax chega, não apenas o amor das irmãs se revela de forma torta como a própria criada Anna parece mostrar um novo caminho para sua trajetória, ainda que a fidelidade à patroa atinja seu ápice. O medo da morte não vinha apenas da própria Ágnes, mas especialmente de Karin e Maria, que não ousam tocar o corpo da irmã, como se a própria aproximação fosse lhe causar o fim de um ciclo e a danação eterna. A salvação, se assim podemos dizer, ecoa ao final, no campo, após tanto ter sido exposto, com as lembranças de um diário de momentos mais felizes entre aquelas quatro personagens.

Por pouco o filme não foi lançado mundialmente, já que Ingmar Bergman estava sem recursos na época. Foi graças a uma empresa especializada em produções de terror e pornografia que o longa estreou em um cinema de Nova Iorque, alcançou grande sucesso e, dez dias depois, foi vendido a boa parte do mundo. O resultado foram cinco indicações ao Oscar, levando o prêmio por Melhor Fotografia, além do maior de todos: o reconhecimento de que sua filmografia atingia o ápice. Gritos e Sussurros é o ápice do estudo de Bergman sobre as relações familiares, a iminência da morte, a luta contra a opressão dos sentimentos femininos e, ainda, da própria alma de Bergman, tão empenhada em entender os dramas internos de seus personagens e, é claro, de todos que vivem.

As duas abas seguintes alteram o conteúdo abaixo.
avatar
é crítico de cinema, apresentador do Espaço Público Cinema exibido nas TVAL-RS e TVE e membro da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul. Jornalista e especialista em Cinema Expandido pela PUCRS.
avatar

Últimos artigos deMatheus Bonez (Ver Tudo)

Grade crítica

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *