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Sinopse

Um agente do FBI chega a uma pequena cidade para investigar roubos a banco. Logo se aproxima de uma jovem dependente de drogas para obter informações e eles vivem um perigoso caso.

Crítica

O retrato do sul-sudeste norte-americano apresentando por Hollywood carrega diversos arquétipos já facilmente identificáveis pelo público: as pequenas cidades interioranas que, na maioria dos casos, dependem economicamente de alguma atividade industrial ou de exploração de recursos naturais, como as minas de carvão. Empresas cujos eventuais fechamentos acabam afetando todos os habitantes, que vivem em casas humildes, ainda que muitas delas avarandadas (com cadeiras de balanço com vista para a rua) ou em trailers apertados. Pessoas que tomam seu café da manhã e almoçam nos tradicionais diners, e que à noite buscam diversão nos bares, em meio a discussões e confrontos físicos que, invariavelmente, terminam em garrafas e cadeiras quebradas. Figuras que pouco ou nada aspiram para o futuro, relegadas a subempregos e atividades ilegais, como o tráfico de drogas, algo geralmente já enraizado na cultura local. É justamente esse o contexto descrito por Susan Smith (Emilia Clarke), a protagonista de Crime e Desejo, por meio de sua narração em off.

Estamos no final da década de 1980, na cidade de Pikeville, Kentucky, onde Susan vive com seus dois filhos e com o ex-marido, Cash (Johnny Knoxville), um pequeno traficante. Dependente química e desempregada, tirando seu sustento do dinheiro das drogas de Cash e de pensões irregulares, a personagem demonstra já ter desistido de fugir da “cidade que nunca deixa você sair’, como a própria define. A luz no fim do túnel, contudo, parece surgir com a chegada de Mark Putnam (Jack Huston), um promissor agente do FBI, vindo de Nova York para assumir a busca por um assaltante de bancos da região, Joe (Karl Glusman), que, coincidentemente, vive de aluguel na casa de Susan. Já no primeiro contato, sem nem mesmo saber seu nome, a protagonista vê em Mark uma figura que destoa completamente da realidade miserável e desesperançosa de Pikeville, um homem que “saiu de um sonho onde nada deu errado”, com seu sorriso confiável e sua família perfeita – a esposa, Kathy (Sophie Lowe), e a filha recém-nascida.

Os dois acabam se aproximando, quando Mark recruta a jovem como informante para auxiliar na captura de Joe, e, aos poucos, a relação profissional se transforma em um tórrido caso. O que se desenrola a partir deste ponto na trama comandada pelo australiano Phillip Noyce se apresenta extremamente previsível e pouco empolgante. Não é preciso conhecer o caso real no qual o longa é baseado, tido como uma grande mancha na história do FBI, para antever cada passo até sua conclusão. Afinal, Susan revela seu destino já nas primeiras linhas de sua narração, esvaziando-o da possibilidade de maiores surpresas. Tendo o imaginado impacto do final diluído logo de cara, a responsabilidade de manter o interesse recai sobre os meandros da relação entre Susan e Mark, e sobre os motivos que levaram ao trágico desfecho.

Cineasta experiente, Noyce não exibe aqui a mesma habilidade para construir a tensão e o suspense de alguns de seus trabalhos mais conhecidos, como Terror a Bordo (1989), Jogos Patrióticos (1992) ou Perigo Real e Imediato (1994). Trabalhando em uma escala mais modesta, o cineasta oferece uma condução rotineira, sem momentos de brilho ou marcas autorais. Há uma tentativa de rebuscamento estético que termina limitada à fotografia de filtros acinzentados – para demarcar a frieza e o clima de desolamento que envolve Pikeville – e aos inúmeros planos com “ângulo holandês”, que ressaltam o desequilíbrio/desarranjo das situações. Tais escolhas acabam gerando uma artificialidade que compromete a tentativa de estabelecer uma atmosfera genuína de degradação, e essa sensação se estende aos personagens, incluindo Susan. Por mais que se esforce na composição, com o sotaque adequado, a britânica Clarke raramente convence como a viciada sedutora, já que, exceção feita às cenas em se encontra desfigurada após ser espancada – por Cash e outros – a atriz surge sempre bela, quase radiante, distante do que se espera da personagem.

O mesmo vale para os coadjuvantes, desperdiçados, como o próprio Knoxville ou Thora Birch, que vive a irmã cabeleireira de Susan. Ambos corretos, mas com pouco a fazer. A escolha mais acertada acaba sendo a de Huston, que encarna bem a figura do agente aparentemente exemplar, mas deixando transparecer alguma ambiguidade. Ao final, porém, a tentativa de desconstrução da imagem do personagem aos olhos de Susan – do santo ao diabo malicioso – proposta por Crime e Desejo nunca é plenamente satisfatória. Existe claramente um aspecto intrigante na figura de Mark, e na história real de um modo geral, algo que as imagens de arquivo mostradas durante os créditos finais reforçam. Talvez um formato documental ou mesmo uma boa reportagem investigativa pudessem dar conta de se aprofundar nesse elemento, já que a dramatização trivial oferecida por Noyce não se mostra capaz de fazê-lo.

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é formado em Publicidade e Propaganda pelo Mackenzie – SP. Escreve sobre cinema no blog Olhares em Película (olharesempelicula.wordpress.com) e para o site Cult Cultura (cultcultura.com.br).
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