Crítica

 

Hector Babenco declarou certa vez que faz filmes para imprimir memórias no imaginário de seu público. Em Coração Iluminado, uma de suas realizações mais íntimas, ele direciona as câmeras para dentro de si e revela muito da alma e sensibilidade que permeia sua obra e a paixão pela arte que lhe é indissociável. Assim, Babenco transfere lembranças ao seu espectador, num delicado e emocional pacto que só poderia ser criado no cinema.

Indicado à Palma de Ouro em Cannes, Coração Iluminado foi vaiado por seu público, que parecia mais comovido com a proximidade da sessão de estreia de Godzilla (1998), exibido no encerramento do festival. Poucos concederam tempo e atenção necessários para acompanhar a dramática jornada de Juan Ludz, jovem que vive um romance com a bela Ana enquanto procura por seu lugar no mundo. 20 anos mais tarde, de volta a Mar del Plata, o então cineasta Juan confronta seu passado em busca de uma solução para seus medos e constantes lembranças de uma turbulenta juventude.

No roteiro conduzido em parceria com o escritor argentino Ricardo Piglia, Babenco não economiza em passagens autobiográficas e confessa que, em seu filme, até a mentira é verdade. Realizado tão logo o cineasta se recuperou de um câncer linfático, Coração Iluminado carrega as reminiscências de um homem em busca de redenção por fantasmas de seu passado na Argentina, onírica e visceralmente. No primeiro ato melancólico e nostálgico, Juan enfrenta a chegada de sua vida adulta e a necessidade de fazer escolhas que definirão seu futuro. Na segunda metade do filme, ele olha em retrocesso para avaliar todas as suas decisões imutáveis, que se refletem essencialmente em seu primeiro e aparentemente único amor.

A partir das lentes irretocáveis de Lauro Escorel, a fotografia de Coração Iluminado é um dos principais atrativos do filme, que ainda guarda na direção de arte de Carlos Conti a bonita e afetiva reconstrução de uma Argentina que hoje vive apenas no passado. A música do longa é igualmente primorosa, orquestrada em composições assinadas pelo polonês Zbigniew Preisner, que também teve seu trabalho eternizado naTrilogia das Cores de Kieslowski. Os atores são outros atrativos a parte no longa de Babenco, que conta com o carisma de Maria Luísa Mendonça e a graça de Walter Quiroz em seu primeiro ato e Miguel Ángel Solá e Xuxa Lopes em interpretações acertadas na segunda parte do filme.

Considerando a filmografia eclética de Babenco, repleta de apontamentos pungentes e algumas abstrações pessoais traduzidas em imagens quase sempre relevantes, ele parece ter conquistado a intenção de gravar memórias perenes em seus espectadores. Seu cinema recorrentemente direciona perspectivas para o outro, problemas sociais e políticos e tantos outros temas, com a exceção sendo este Coração Iluminado, essencialmente pessoal. Seja com Pixote, Lúcio Flávio, Mulher Aranha e tantos outros personagens inesquecíveis, assim como a partir de seu alter ego Juan, é evidente que o cineasta permanece em evidência, lembrado mesmo quando pode parecer esquecido.

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é crítico de cinema, membro da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul. Graduado em Publicidade e Propaganda, coordena a Unidade de Cinema e Vídeo de Caxias do Sul, programa a Sala de Cinema Ulysses Geremia e integra a Comissão de Cinema e Vídeo do Financiarte.
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