Crítica


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Sinopse

Preste a se formar na faculdade, Natalie diverge em duas realidades: numa delas, engravida e deve se tornar mãe num contexto pouco desfavorável do estados do Texas, nos Estados Unidos; na outra, ela se muda para Los Angeles.

Crítica

Natalie está em um momento crucial de sua vida. Após ter transado com seu melhor amigo, durante a festa de formatura dias depois ficou enjoada a ponto de não conseguir sair do banheiro. Com o auxílio de Cara, a amiga de infância com quem divide sonhos de ir embora do Texas rumo a Los Angeles para tentar a sorte no mundo do entretenimento, precisa encarar a verdade e fazer um teste de gravidez. Se o mesmo der positivo, terá que abdicar desses planos e se adaptar da melhor forma a uma nova realidade, que envolverá uma criança pequena e os cuidados que ela irá necessitar. No entanto, caso o resultado aponte para o negativo, tudo seguirá o seu curso em direção a uma aventura profissional que há muito almeja. Como Seria Se...? parte desse exato momento para construir não apenas sua trama, mas as duas possibilidades de história que investiga. De um lado, a permanência. Do outro, a partida. Em ambos, a necessidade de se adaptar a um contexto inédito e prestes a ser descoberto. A premissa, como se pode imaginar, é instigante. É de se lamentar, no entanto, a abordagem solta que recebe, conduzida por um pulso frouxo que, a despeito das particularidades que cada caminho apresenta, terminará por conduzir a destinos bastante próximos, meio que invalidando o exercício imaginativo.

Outro ponto de frustração que muitos na audiência poderão apontar é a sensação de déjà vu, ou seja, de “já vi isso antes, só não lembro onde, ou quando”. Bom, para quem ficou perdido com essa provocação, a resposta é fácil: De Caso com o Acaso (1998), drama estrelado por Gwyneth Paltrow e escrito e dirigido pelo mesmo Peter Howitt que posteriormente acabaria se envolvendo em distrações como Johnny English (2003) e Um Álibi Perfeito (2014). No entanto, quando ainda estava no início de carreira, o cineasta – que por este trabalho de estreia foi indicado ao Bafta e premiado no European Film Awards – investiu com força nesse conceito a respeito das múltiplas possibilidades que se abrem a partir de um instante de conflito (ou dúvida). A protagonista do filme por ele realizado acabava por se tornar pessoas completamente diferentes, e o peso de suas escolhas refletiam em sua personalidade e em como afetava aqueles ao seu redor. É bastante diferente do que se percebe, por exemplo, nessa comédia romântica encomendada pela Netflix.

E isso não deixa de ser uma decepção, ainda mais quando se constata que são duas as mulheres que, dessa vez, se encontram nos bastidores. April Prosser foi assistente de direção em séries como Jovens Bruxas (2005-2006) e Entourage (2008), e nessa sua primeira experiência como roteirista opta por se manter em zonas seguras, sem muita ousadia, nem assumir riscos. Essa visão é mantida pela cineasta queniana Wanuri Kahiu, que chamou atenção com seu longa anterior, Rafiki (2018) – que chegou a ser banido no seu país de origem pelo conteúdo LGBTQIA+ da trama e foi exibido nos festivais de Cannes e São Paulo, entre outros – mas se mostra por demais comportada nessa sua incursão por Hollywood. Uma mulher continua no centro das atenções, mas seus interesses se voltam aos homens com quem se envolve, às obrigações familiares e a ser sabotada – ou, ao menos, não reconhecida na medida do seu merecimento – por outras personagens femininas mais bem-sucedidas em sua área de atuação. São clichês que, de fato, existem, mas que mereciam um melhor tratamento ao serem apropriados pela ficção.

Em resumo, Natalie (Lili Reinhart, de Riverdale, 2017-2022) vive em um mundo cor-de-rosa e em tom fabular, mas ainda assim encontra motivos suficientes para seguir reclamando da sua ‘infeliz’ situação, seja ela qual for. Por um lado, a depressão pós-parto é tratada de modo banal por uma garota imatura que não se assume como mãe e prefere fazer jogos de ciúmes e sedução com o pai de seu filho, recusando ajudas e tendo o dobro do trabalho que sua condição exigiria justamente por não ser humilde a ponto de reconhecer tais necessidades. Em outro viés, encontra um príncipe como namorado (David Corenswet, restrito ao papel de bom moço), mas ainda assim se sente infeliz pelas obrigações profissionais dele e por não ser incensada no escritório onde consegue uma ótima posição (ainda mais para quem está recém começando) da forma como apenas ela acredita ser merecedora. Porém, como toda Cinderela que teve seus dias de Gata Borralheira, também irá superar tais adversidades e, de um modo ou de outro, encontrará a felicidade ao lado de um homem que a ama e na atividade que lhe dá prazer. Qual o sentido, portanto, dos diferentes caminhos, se ambos levam ao mesmo lugar?

Dessa forma, Como Seria Se...? se confirma mais como um esforço de estilo e uma pífia demonstração de talento das realizadoras envolvidas, menos preocupadas com os personagens que criam e em como esses irão se relacionar com o público espectador e mais atentas à repercussão que podem alcançar pela oportunidade que aqui recebem em mãos. É salutar que cada vez mais se tenham mulheres ocupando espaços de decisão tanto à frente como atrás das câmeras, mas na mesma proporção se revela um desperdício quando essas se mostram dispostas a fazer apenas mais do mesmo, apropriando-se de discursos já gastos sem criatividade ou interesse. O material aqui reunido, ainda que não revolucionário, dispõe de um potencial de entretenimento e reflexão que, ao ser desconsiderado justamente por aquelas no comando, se vê esvaziado em suas intenções, como uma experiência que parte do nada para ir a lugar algum.

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
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