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Sinopse

Colette Marin Catherine integrou a resistência armada dos franceses contra os nazistas durante a Segunda Guerra Mundial. Agora, aos 90 anos de idade, aceita visitar o campo de concentração onde seu irmão foi morto.

Crítica

Colette (2020) é uma excelente reportagem. Ao invés de acompanhar uma ação existente, a equipe do jornal britânico The Guardian decide provocar o conflito desejado à construção de sua matéria. Assim, conduz Colette Marin Catherine, de 90 anos de idade, em visita ao campo de concentração na Alemanha onde seu irmão foi morto. Ambos integravam as forças de resistência na França contra os nazistas durante a Segunda Guerra Mundial. Enquanto acompanha esta mulher, o diretor Anthony Giacchino oferece letreiros didáticos, observa a personagem com respeito, visita um Museu de guerra, proporciona tempo e espaço para que ela faça o luto diante do cenário de uma catástrofe. A captação de imagem e som é competente, aliada a uma condução eficaz. Explica-se de maneira sintética os horrores do nazismo, os grupos que resistiam à ocupação na época e o incômodo diante do mórbido turismo contemporâneo aos campos. O resultado mereceria um Pulitzer, ou qualquer outra distinção pela excelência do trabalho jornalístico. Os problemas decorrem de sua leitura enquanto obra de arte, algo inevitável devido à indicação ao Oscar 2021 de melhor curta-metragem.

Para que serve um documentário? Aos votantes da Academia, não parece existir separação evidente entre o jornalismo, com vocação de informar, e o cinema, com vocação de refletir e representar. Os indicados de 2021 constituem uma compilação de obras sobre “grandes temas”: racismo, nazismo, xenofobia, fluxos migratórios, exílio, intolerância religiosa, violência policial, censura. O filme valeria pelo senso de urgência e pela mensagem que tem a passar – semelhante portanto a uma aula, uma palestra ou uma pregação de caráter religioso. No entanto, a grande vantagem do cinema em relação a estes recursos se encontra na possibilidade de fornecer imagens a ver e sentir, além de sons a provocar, estimular. O documentário está distante da reportagem, e também do material para utilização em sala de aula. Caso a arte venha a trazer ensinamentos, isso será ótimo, porém ela jamais deve ser instrumentalizada para tais finalidades. A linguagem documental, mais próxima ao real, permite provocar fricções entre tempos e épocas, aproximar cenas e personagens que jamais conviveram, brincar com as formas, as luzes, as texturas. Ela não deveria ser julgada pela atualidade do que mostra, e sim pela maneira de mostrar. O valor se encontra no como, ao invés do o quê.

Para que serve um curta-metragem? No senso comum, o formato curto carrega a aparência de mini-longa, uma pequena experiência raramente disponível ao público médio (algo que as plataformas de streaming começam, discretamente, a modificar). Dentro da indústria, o curta-metragem se converte com frequência em portfólio para um criador demonstrar seu talento antes de passar ao longa – em outras palavras, uma amostra grátis, um aperitivo. Ora, o curta supera a condição de fragmento de uma obra maior. Grandes diretores de curtas-metragens (Carlos Adriano no Brasil, Hans Op de Beeck na Bélgica, Don Hartzfeldt nos Estados Unidos) utilizam esta linguagem enquanto formato autônomo. Afinal, o orçamento menor e a presença limitada em salas se convertem em maior liberdade de experimentação e autoralidade. O curta permite brincar com múltiplas telas, narrativas não-lineares, a ausência de conflitos, a colagem, o impressionismo, a metáfora. Neste sentido, os projetos que resumem uma história longa soam inapropriados dentro das capacidades do cinema: o curta é um lugar de extremos, possivelmente o mais fértil e radical da sétima arte. Utilizá-lo para uma simples narrativa clássico-narrativa resulta num desperdício de potência, algo como comprar uma Ferrari e dar pequenas voltas no bairro, ocasionalmente, a 20 km/h.

De volta a Colette, a obra possui ambições estéticas limitadas, evitando produzir contrastes de tempo, espaço, ou outras formas de analogia com o real. Colette é uma personagem fascinante e complexa, porém este mérito cabe à francesa, não ao filme. A Segunda Guerra Mundial constitui um tema em torno do qual ainda temos muito a aprender, porém esta responsabilidade cabe às escolas, aos pensadores e aos livros de História, não ao cinema, que poderia nos fazer sentir a guerra, imaginar a guerra. Enquanto diretor de uma obra de arte, Giacchino fornece um trabalho tão acadêmico quanto bruto de condução do material humano: o primeiro encontro entre a protagonista e a jovem Lucie Fouble, que a acompanha no trajeto, é claramente preparado e condicionado. Quando se vê em dificuldade de explicar ações pelas imagens, o cineasta introduz letreiros avisando que o prefeito alemão chegou ao bar onde se encontra a senhora francesa, e que milhares de pessoas morreram entre 1939 e 1945. Em contrapartida, nota-se o respeito ao filmar as câmaras de gás, e o recuo adotado para que a mulher reaja ao ambiente sem a intromissão do dispositivo. Há valores notáveis neste projeto, porém a maior parte deles se encontra fora do filme – mais especificamente, antes dele, ao lado dele e diante dele. Para um belo trabalho jornalístico, este seria um detalhe: afinal, nenhum jornalista é obrigado a manejar com destreza a linguagem artística. Mas estamos falando de cinema.

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Crítico de cinema desde 2004, membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema). Mestre em teoria de cinema pela Universidade Sorbonne Nouvelle - Paris III. Passagem por veículos como AdoroCinema, Le Monde Diplomatique Brasil e Rua - Revista Universitária do Audiovisual. Professor de cursos sobre o audiovisual e autor de artigos sobre o cinema. Editor do Papo de Cinema.
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