Crítica


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Sinopse

Dois anos após a revolução egípcia, portanto em 2013, um caminhão da polícia lotado de manifestantes detidos transita por protestos violentos que acontecem nas ruas. Eles precisarão superar suas diferenças para sobreviver.

Crítica

Em 2011, uma intensa onda de protestos no Egito – ocorrida em meio à Primavera Árabe – levou à queda de Hosni Mubarak após três décadas no comando de um governo autoritário. No ano seguinte, a população egípcia acenou para a possibilidade genuína de democracia, com a realização das primeiras eleições livres da história do país, que terminou por empossar Mohamed Morsi, membro da Irmandade Muçulmana. Porém, em julho de 2013, um golpe militar derrubou Morsi, colocando novamente um representante das Forças Armadas no poder e gerando uma nova série de manifestações. É neste contexto, enunciado por cartelas pré-créditos sucintas – se concentrando nos fatos sem citar nomes – que o cineasta Mohamed Diab situa seu Clash, trabalho seguinte ao premiado Cairo 678 (2010).

Para retratar este panorama, Diab opta por reduzi-lo, espacialmente, ao interior de um camburão policial, criando um microuniverso que confina todas as idiossincrasias – políticas, sociais, culturais, religiosas – do Egito. Sempre com o olhar partindo do interior do veículo, o diretor o povoa com uma grande diversidade de personagens, a começar por um jornalista de descendência norte-americana e o fotógrafo que o acompanha. Dupla vista com desconfiança por todas as outras figuras que, aos poucos, juntam-se a eles: tanto membros da Irmandade Islâmica que clamam pela volta de Morsi quanto manifestantes pró-militares. Conforme os apresenta, Diab habilmente constrói uma progressiva atmosfera claustrofóbica, elevando a noção de desespero dos conflitos dentro camburão, bem como o sentimento de impotência diante daquilo que ocorre externamente.

Com o domínio cênico necessário para executar sua proposta eficazmente, Diab mantém o interesse constante, através do equilibrado ritmo narrativo e da construção precisa da tensão. Para isso, opta pelo registro com a câmera na mão quase sempre em movimento – artifício atualmente banalizado, mas devidamente justificado aqui – que, pela limitação de espaço, se mantém sempre próxima aos rostos e corpos, captando a urgência demandada pelas circunstâncias. Neste retrato veemente do Egito atual, Diab não toma partido, buscando expor as contradições de cada lado. A hierarquização, pouco democrática, marca o lado da Irmandade Islâmica, que elege um líder e distingue os integrantes oficiais da instituição – que pagam mensalidade – dos simpatizantes, aos quais são impostas restrições de ação, como a jovem Aisha (May Elghety) e seu pai.

Do outro lado, o principal aspecto ressaltado são as variadas motivações particulares, que revelam um grupo sem coesão ou intenções definidas. Assim, temos a enfermeira Nagwa, (a ótima Nelly Karim), que embarca no veículo por vontade própria para ficar ao lado do filho e do marido, o idoso conservador, cujo filho pode ter entrado para a Irmandade, ou ainda o morador de rua que busca vingança pela morte de seu cachorro. Perdido entre as questões políticas, e buscando impor uma imagem ameaçadora – escondendo uma gilete na boca – este personagem talvez seja o principal símbolo da desorientação que se abate sobre o quadro geral mostrado por Diab. Nesta conjuntura, o papel da imprensa também é debatido, com a insistência do repórter em filmar os acontecimentos de dentro do camburão – através da câmera escondida em seu relógio – levantando o questionamento sobre as fronteiras éticas da profissão.

Os limites, os extremismos, estão no cerne de Clash, em especial seus efeitos sobre os jovens. Aspecto explicitado por Aisha e pelo filho de Nagwa, ainda inocentes e que não compreendem plenamente a complexidade do que os cerca, algo que, na concepção de Diab, se estende a boa parte dos adultos, que seguem impulsos – por razões individualistas ou levados pelo coletivo – sem verdadeira convicção ideológica. Essa abordagem não generalizadora se aplica também à representação plural da polícia: o comandante impiedoso, os oficiais de baixo escalão que cumprem ordens temendo a repreensão, até o novato, ainda não corrompido pelo sistema, que demonstra compaixão pelos detidos. Contudo, a truculência dos atos policiais, não fazendo distinção entre manifestantes, se torna um denominador comum que une, ao menos momentaneamente, os dois lados dentro do camburão.

Os singelos momentos de comunhão criados por Diab exprimem um desejo quase utópico de entendimento entre os “inimigos”, como quando relembram os dias felizes pós-queda de Mubarak, ou quando um membro da Irmandade que se diz ator – funcionando como alívio cômico para, ocasionalmente, diminuir o nível de apreensão – entoa uma canção, levando todos ao riso. Nem todas as inserções de humor acrescentam ao desenvolvimento do longa, assim como alguns conflitos pessoais – como o do DJ e seu amigo – e certos diálogos/alegorias excessivamente didáticos. Entretanto, isso não interfere na essência do trabalho de Diab, repleto de sequências vigorosas, como a do atirador no prédio, e outras extremamente humanas, como quando Aisha precisa ir ao banheiro ou quando o garoto rico – representante da corrupção cotidiana, tentando contatar um tio militar para libertá-lo – compartilha do sentimento pela perda do cachorro do morador de rua. Mas, no fim, é o pessimismo em relação à união que prevalece, levando a um desfecho trágico e desolador. A mensagem do cineasta é clara, simbolizada pelo jogo da velha encravado na lataria do camburão: em meio ao impasse do caos não há vencedores. Mensagem que pode soar óbvia, porém, como Diab parece afirmar, o radicalismo impede até mesmo as obviedades de serem enxergadas.

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é formado em Publicidade e Propaganda pelo Mackenzie – SP. Escreve sobre cinema no blog Olhares em Película (olharesempelicula.wordpress.com) e para o site Cult Cultura (cultcultura.com.br).
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