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Sinopse

Incomodada com os hábitos e atitudes de Christian Grey, Anastasia decide terminar o relacionamento e focar no desenvolvimento de sua carreira. O desejo, porém, fala mais alto e ela logo volta aos jogos sexuais do conturbado empresário.

Crítica

A frase de apoio no pôster já anuncia: “todo conto de fadas possui um lado sombrio”. Bom, se essa é também a impressão a partir do título – Cinquenta Tons Mais Escuros, afinal, aponta para algo mais... forte e intenso, digamos – após dois filmes (o primeiro, Cinquenta Tons de Cinza, é de 2015) a conclusão agora renovada é a mesma que ficou assim que o longa anterior chegava ao fim: será que no próximo (no caso, Cinquenta Tons de Liberdade, 2018) algo finalmente irá acontecer a ponto de justificar toda a atenção que a trilogia literária escrita por E. L. James tem recebido da mídia e dos fãs desde o seu lançamento, em 2011? Pois, ao contrário do capítulo inicial, que ao menos tinha a responsabilidade de apresentar ao público este universo e seus personagens – que até podem ser mornos, eu sei, mas enfim... – dessa vez absolutamente nada acontece. É a mesma lenga-lenga, o exato chove-não-molha já visto. Mais do mesmo, no entanto, não chega perto de definir este episódio, pois se antes ainda houve o mérito de encerrar em um tom de suspense, criando uma possível expectativa de “vai que daqui a pouco melhora?”, nem isso esse aqui consegue.

E. L. James criou o romance entre a jovem Anastasia Steele (Dakota Johnson), uma estudante de letras ainda virgem, e Christian Grey (Jamie Dornan), um multimilionário atormentado, que vive sozinho e tem predileção pelo sadomasoquismo em suas relações amorosas. Em Cinza, os dois começam a se relacionar (“namoro” é uma expressão que não aceitam), e após a primeira palmada no bumbum, ela se levanta injuriada e decide ir embora, anunciando antes que ele não deve nunca mais procurá-la. Bom, é claro que tal determinação não irá durar muito tempo. Pois em Cinquenta Tons Mais Escuros, não demora nem dez minutos para que estejam novamente na cama, prontos para um sexo... “baunilha”, como preferem chamar. “Baunilha”, aliás, é uma boa definição para todo o filme: não há nada “mais escuro” aqui, é tudo bem claro, aliás. Ele aceita que “estava errado” em tratá-la daquele jeito, ela faz suas exigências (“quer carinho e respeito”) e os dois se acertam. Com direito até a pedido de casamento com fogos de artifício ao fundo.

Bom, mas o que Cinquenta Tons Mais Escuros tem a apresentar, então? Apenas tentativas de se estender por um caminho infrutífero e desprovido de maiores interesses. Surge uma “submissa” do passado dele querendo vingança por ter sido descartada (até no absurdo Orgulho e Preconceito e Zumbis, de 2016, Bella Heathcote esteve melhor), o chefe dela (Eric Johnson, que foi a versão adolescente de Brad Pitt em Lendas da Paixão, 1994) começa todo atencioso e educado, apenas para em seguida se revelar um estuprador em potencial, e sem falar na participação constrangedora de Kim Basinger (todas as falas dela não devem preencher nem uma página do roteiro) como a dominatrix que introduziu o senhor Grey ao mundo do sadismo sexual. Questões essas que, no entanto, são resolvidas sem muito alarde – ou adiadas para um momento de maior desenvolvimento na próxima sequência, quem sabe? Nada no relacionamento dos protagonistas, portanto, é alterado. Ela segue apaixonada. E ele, hipnotizado por ela.

No entanto, é preciso ir além da superfície, e se os realizadores não se deram esse trabalho, cabe a nós a função. O diretor James Foley assumiu a função após Sam Taylor-Johnson ter se desentendido com a autora dos livros durante o primeiro filme, e mesmo tendo faturado mais de US$ 570 milhões nas bilheterias de todo o mundo, ela precisou ceder seu lugar a alguém mais de acordo com as ideias da escritora. O mesmo aconteceu na saga Harry Potter, quando o desconhecido David Yates, responsável pelos quatros filmes finais da série, ocupou o lugar deixado vago por Alfonso Cuarón e Mike Newell. E todo mundo sabe que estes estão longe de serem apontados como os melhores. Foley, por sua vez, tem em seu currículo três thrillers sexuais bem genéricos – Dominados pelo Desejo (1990), com Bruce Dern, Medo (1996), com Mark Wahlberg e Reese Witherspoon, e A Estranha Perfeita (2007), com Halle Berry e Bruce Willis – além de ter dirigido a estrela Madonna em um dos seus primeiros filmes, Quem é essa Garota (1987). Ou seja, ele até pode ser considerado competente, mas está longe de ser apontado como um cineasta original e criativo. Bem de acordo com o filme “baunilha” que aqui entrega.

O pior, no entanto, é o forçado psicologismo que a todo momento se manifesta durante a trama de Cinquenta Tons Mais Escuros. Busca-se um passado traumático para o rapaz, com se suas preferências sexuais fossem um vício maldito do qual ele necessitasse se ver livre. Esse tom moralista, que insistentemente tenta fazer de uma abordagem sexualmente mais ousada algo horroroso e condenável, beira o provincianismo. Diálogos repetitivos e contraditórios – primeiro ela quer diálogo, para logo em seguida afirmar que “se você não quer falar, tudo bem” – e frases assustadoramente infelizes – “você pode ter me ensinado a transar, mas foi ela que me ensinou a amar” – completam o cardápio. E sem falar dos limites dos corpos de ambos (ele tem cócegas, é isso? E ela, qual o problema dessa garota, que assume uma expressão monocórdia do início ao fim, apenas para quando é tocada por ele começar a gemer de forma exagerada e até caricata). Enfim, tal qual a maioria das cenas de sexo deste filme, que são interrompidas logo assim que começam (a nudez dos protagonistas é meramente parcial, e sempre em situações de muita penumbra – seriam esses os “tons mais escuros” a que o título se refere?), o que temos aqui nada mais é do que um coitus interruptus. Nem bem começa, e já acaba, deixando-nos exatamente no mesmo ponto do início. E diante tanta expectativa, nada pior do que uma ejaculação precoce, certo?

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
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