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Sinopse

Chamar os ventos por meio de assobios. Dinâmica que envolve entretenimento, ancestralidade, afetividade e memória. Uma cartografia dessa prática que estabelece um elo com o sagrado.

Crítica

O subtítulo deste curta-metragem de Marcelo Rodrigues, “Por Uma Cartografia dos Assobios”, aponta a uma ambiguidade. O trabalho de elaboração de cartas geográficas é pautado por uma série de procedimentos, métodos científicos. Todavia, aqui, esse desejo de criar um guia passa fortemente pela crença de que ventos podem ser conjurados por intermédio de simples assovios. Há o ímpeto, constantemente demonstrado, de observar a possível ligação entre humano e sagrado, como se não fosse distante da realidade um mero mortal evocar ventanias utilizando silvos melodiosos. Todavia, a questão cartográfica é literal nessa produção, pois o realizador realmente constrói sua narrativa sobre a catalogação de diversas ocorrências da prática, não apenas em sua região, espraiando a investigação a outros cantos do Brasil, assim desenhando exatamente um mapa.

Há, em Chamando os Ventos, duas dimensões nem sempre conviventes em harmonia. A primeira delas diz respeito à conjugação poética entre visual e depoimentos. Com fotografia do próprio Marcelo, o curta oferece vislumbres muito bonitos de paisagens em que o vento age determinantemente. Assim, são prevalentes as tomadas de nuvens se deslocando, cenários aparentemente em marasmo, mas que, de uma hora para outra, são ressignificados por uma revoada de pássaros, por exemplo. Enquanto esses planos estáticos preenchem a tela com uma beleza ampliada aos poucos, os testemunhos auxiliam num processo de deflagração lírica, com homens e mulheres falando sobre a forma como descobriram o chamamento dos ventos por meio da musicalidade dos assobios corriqueiros. Essa construção que une sons e imagens é bastante satisfatória.

A segunda esfera de Chamando os Ventos concerne essencialmente à cartografia, ao alinhave dos dizeres pelo prisma do mapeamento. Marcelo faz questão, atendendo a essa vontade, de legendar as falas, apontando não apenas o nome da pessoa, mas, principalmente, a sua região geográfica. Num primeiro momento, soa desnecessária a legenda dentro da prevalência da poética supracitada, a desprendida da associação entre sons e imagens. Adiante, o filme lança mão de uma animação em que vai dispondo, paulatinamente, pequenas exemplificações de chamadores de vento Brasil afora, percorrendo parte significativa do território nacional virtualmente a fim de asseverar que essa prática de supostamente conectar-se com o sagrado fazendo o uso do assobio é uma tradição não circunscrita a um espaço específico, mas disseminada enquanto traço cultural.

O problema está, em grande parte, justamente na convivência nem sempre fértil entre o desconhecido, que tange diretamente à fé, e o científico, pois dessa aparente dicotomia não se extraem possíveis ambiguidades. Num exercício imaginativo, talvez a extirpação do expediente demarcatório, assim deixando pleno e livre de amarras a delineação romântica permitida pelos comentados vislumbres do vento atuando nos panoramas fizesse o todo mais potente e efetivo. Chamando os Ventos é um filme que ocasionalmente consegue extrair beleza das associações entre os dizeres recheados de crença e a memória afetiva das capturas de algo que nos passa despercebido cotidianamente. A força do curta está na forma como, ao expor uma convicção, Marcelo dá visibilidade ao vento. A cartografia acaba arrefecendo a poética, dando-lhe ares um pouco mais duros.

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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.
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