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Sinopse
Em Centro Ilusão, dois músicos, de gerações diferentes, se conhecem em uma audição para um concorrido laboratório de música da cidade de Fortaleza. Tuca tem 50 anos e se sente frustrado com sua carreira. Kaio, 18 anos, é aspirante a artista que sonha em fazer sucesso com suas próprias composições. Os dois estão tentando vaga nesse importante laboratório de música e jogam suas esperanças e sonhos na possibilidade de serem aprovados. Selecionado para o Cine Jardim 2024.
Crítica
O cearense Pedro Diógenes começou a se destacar no cinema ao lado dos amigos. Ele integrou o importante coletivo Alumbramento entre 2010 e 2016, sendo assim um dos responsáveis pela bem-vinda brisa de renovação que soprou no Ceará no começo da segunda década do ano 2000 – Estrada para Ythaca (2010) é o maior indício disso. Com Centro Ilusão ele dá outro passo seguro para se consolidar como um dos principais cineastas de sua geração, sobretudo pelo olhar terno com o qual enxerga os personagens e as relações que eles estabelecem com o meio ambiente (sobretudo a cidade de Fortaleza). Os protagonistas são Kaio (Bruno Kunk) e Tuca (Fernando Catatau), dois músicos em busca da oportunidade de frequentar um laboratório que pode alavancar a carreira de ambos. O filme começa com os testes, momentos em que Diógenes, muito sutilmente, cria uma fina membrana de irrealidade com a simples utilização de um pano de fundo colorido abraçando os homens que se revelam por meio das músicas – Kaio canta as agruras da urbanidade enquanto Tuca se vale de um tom melancólico para falar de amor. Esses artistas são de gerações diferentes. Kaio é jovem, tem cabelos e unhas pintados, além de uma impetuosidade típica da sua faixa etária. Ele é a esperança. Já Tuca é um homem na casa dos 50 anos de idade que parece não ter muito mais forças para persistir. Ele está à beira da desistência.
Centro Ilusão segue os princípios narrativos do filme anterior de Pedro Diógenes, o também muito bonito A Filha do Palhaço (2023). As duas produções são sobre pessoas transitando por Fortaleza, se relacionando com a cidade enquanto desenvolvem um vínculo afetivo. No entanto, o longa anterior contém uma trama mais direta, na qual os sentimentos estão à superfície para nos conectarmos a eles de maneira imediata. Trata-se de uma tentativa de reconexão entre um pai e uma filha que passaram tempos demais distanciados. Em Centro Ilusão a dinâmica é semelhante, mas as emoções estão mais represadas, os dilemas permanecem mais tempo estampados no semblante dos personagens antes de alguém os verbalizar. Kaio carrega seu ídolo sorumbático pelas ruas da cidade e oferece a ele exemplos de vivacidade e resiliência, como quando saca o violão do case e começa a cantar na praça a fim de conseguir dinheiro para comprar uma nova corda ao instrumento. Um pouco mais tarde, Tuca começa a apresentar ao rapaz o seu mundo já coalhado de desilusões, como que o convidando não à resignação, mas à realidade que pode ser frustrante aos românticos inveterados. Sutilmente, sem alardes, eles vão se tornando figuras complementares nessa realidade em que as promessas de sucesso são colocadas num lugar bastante realista. É mais provável que os dois continuem penando bastante.
A direção segura de Pedro Diógenes transforma perambulações supostamente despropositadas em momentos singelos de conexão humana entre os protagonistas. O cineasta imprime uma leveza cativante nessa trama em que dois músicos, primeiro, demarcam as suas diferenças e, segundo, começam um movimento desarmado de identificação. Kaio apresenta o novo amigo à sua avó que trabalha arduamente e foi a grande inspiração para tentar a difícil carreira musical. Mais tarde, Tuca é visto diante da mãe com quem faz um dueto muito bonito de piano e voz. Portanto, os protagonistas de Centro Ilusão têm muito mais semelhanças entre si do que a distância geracional nos faz perceber no começo. Aliás, Diógenes é hábil ao plantar uma dúvida de determinado ponto em diante: seria Tuca o pai de Kaio? Em certo instante do enredo, ao ser perguntado sobre o pai de quem nunca fala, Kaio observa o amigo de maneira ligeiramente diferente (com a erupção de uma mágoa momentânea, talvez?) ao dizer “minha mãe é tudo o que tenho”. A mirada de fascínio do novato durante a apresentação do veterano tem a ver estritamente com admiração artística ou é uma epifania diante do pai ausente de quem ele herdou o talento e o gosto pela música? A hereditariedade artística simbolizada pela mãe de um e pela avó de outro é outra pista que leva a essa conclusão? Não há respostas, mas hipóteses.
De toda forma, sendo ou não pai e filho, Tuca e Caio acabam preenchendo as lacunas alheias. O mais velho vê possibilidades no mais novo que, por sua vez, encontra no seu ídolo cinquentão uma referência paternal da qual pode tirar tanto exemplos positivos quanto negativos. Os protagonistas de Centro Ilusão falam bastante sobre sentimentos, frustrações e dúvidas, mas as coisas mais importantes a respeito deles estão nos gestos, nas ações indicativas de seus caráteres e personalidades. O modo amoroso como Kaio trata a avó e os amigos com os quais divide apartamento; o gesto de renúncia que Tuca faz em busca de um pouco de reparação do mal que fez a ex-esposa; a maneira como ambos se acolhem a despeito das suas limitações; e, ainda, a reverência que os dois demonstram pela música. Pedro Diógenes fala de assuntos profundos com simplicidade e leveza. Os diálogos diluem as complexidades em atitudes e falas cotidianas. E, além disso, Diógenes ainda cria conexões com seus trabalhos recentes, seja no momento em que os personagens refletem brevemente acerca do tratamento dado ao rio Pajeú (o cineasta fez um documentário intitulado Pajeú, 2020) ou mesmo nessas andanças de “pai e filho” que remetem diretamente ao que tínhamos visto em A Filha do Palhaço. Isso com a ambição de contar a história desses homens que podem ser vistos como as faces distintas da mesma moeda.
Filme visto no 26º Festival do Rio em outubro de 2024.
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