Crítica


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Onde Assistir

Sinopse

Na pequena cidade onde vive, as memórias do passado percorrem a mente e as ações de Ian.

Crítica

O curta-metragem parte de uma premissa ambiciosa: realizar uma mistura de drama e suspense situado em São Miguel do Gostoso, incluindo cenas de ação para debater conflitos raciais e o ímpeto de justiça e/ou vingança. A narração inicial talvez pareça um pouco artificial, exigindo demais de atores sem formação profissional, no entanto ostenta uma bem-vinda ambição de lirismo e abordagem sociopolítica combinadas numa única trama. Talvez estes sejam os projetos mais louváveis dentro de experiências audiovisuais iniciantes: aqueles que transmitem suas falhas dentro de tentativas de explorar a linguagem, a narrativa, e fugir do academicismo. São iniciativas como esta que permitem o aprendizado a partir de acertos e erros, e demonstram potencial dos diretores – como fica evidente na condução de Rubens dos Anjos e Levi Jr.

 

Entre os filmes do coletivo Nós do Audiovisual exibidos na 6ª Mostra de Cinema de Gostoso, talvez este seja aquele com mais problemas técnicos, mas também aquele que melhor assume suas deficiências. As atuações transparecem a dificuldade de lidar com o tom ameaçador, a fotografia estoura as luzes noturnas e treme incessantemente na perseguição em motocicleta, o som sofre com desigualdades de captação e edição. Mesmo assim, estes elementos se justificam dentro de um ímpeto de vigor juvenil que permeia a trama: na cena sobre a motocicleta, por exemplo, as oscilações na imagem poderiam ser interpretadas como fragilidades ou como escolhas estéticas pertinentes ao sentimento de urgência. Em outras palavras, o caráter amador não se confunde com inexperiência ou desconhecimento da linguagem, apenas ausência de recursos necessários a um subgênero mais exigente em termos de produção.

Em paralelo, existem qualidades de direção muito claras em Carta Branca, como o uso consciente das diferentes profundidades de campo, o foco no protagonista silencioso enquanto ações paralelas se desenrolam ao lado, e mesmo uma decupagem interessante para a simples cena no portão de casa. O curta-metragem possui um ritmo dinâmico, e adota uma postura interessante ao colocar no centro de sua narrativa de violência um garoto negro não-violento, que observa os fatos e as juras de vingança com estranhamento. O espectador é convidado a se identificar não com os jovens agressivos (que talvez fossem mais imediatamente apropriados ao caráter exteriorizado do gênero de ação), e sim com o rapaz observando a situação de fora, com o devido estranhamento.

O principal problema do filme se encontra numa conjunção de roteiro e conceito – no caso, na decisão de coincidir o clímax e a cena final da história. O projeto atinge um momento muito forte, porém carente de desenvolvimento para se tornar claro dentro da trama e consolidar seu discurso a respeito da violência. Talvez fossem necessárias uma ou dias cenas após o instante de catarse para os diretores dizerem o que de fato pensam a respeito daquele instante de explosão. Deixar toda a leitura ao espectador soa conveniente demais, e mesmo perigoso, para uma cena que pode ser interpretada de diversas maneiras, mais ou menos benéficas à narrativa como um todo. Caso polisse sua trama, Carta Branca poderia se aprofundar na alegoria racial. De qualquer modo, representa uma bem-vinda tentativa de representar a violência social através de uma forma igualmente violenta.

Filme visto na 6ª Mostra de Cinema de Gostoso, em novembro de 2019.

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Crítico de cinema desde 2004, membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema). Mestre em teoria de cinema pela Universidade Sorbonne Nouvelle - Paris III. Passagem por veículos como AdoroCinema, Le Monde Diplomatique Brasil e Rua - Revista Universitária do Audiovisual. Professor de cursos sobre o audiovisual e autor de artigos sobre o cinema. Editor do Papo de Cinema.
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