Caro Francis
Crítica
Leitores
Sinopse
Paulo Francis transformou o jornalismo brasileiro. À sua maneira, denunciou a impossibilidade de existência de vida inteligente no pensamento dominante - não importa que pensamento fosse dominante no momento. Influenciou diretamente toda uma geração. Foi combativo e irreverente, porque nunca fez parte do seu cardápio ser reverente a coisa alguma. Para os amigos, porém, Francis foi apenas um ser humano cuja dedicação e generosidade o tornavam especial. Caro Francis é justamente um painel afetuoso sobre um amigo. A tentativa de revelar a história de um homem que se tornou público, a partir das amizades que cultivou. Um exercício de escolha entre os múltiplos Francis que se espalhavam em torno das pessoas que circulavam ao seu redor.
Crítica
Depois de Santos Dumont (O homem pode voar, 2006) e Chacrinha (Alô, alô, Terezinha!, 2009), o cineasta e jornalista Nelson Hoineff escolheu resgatar a trajetória conturbada de seu amigo Paulo Francis. A crítica mais contundente endereçada a Caro Francis se dá sobre sua abordagem. Acusam-no de não conseguir superar os vínculos de amizade que manteve com o biografado. Sem estar de toda equivocada – pois Hoineff desenha uma figura praticamente irretocável que dilui a gravidade de suas contradições na péssima e antiquada escusa (clichê vergonhoso, diria Francis) de que o erro é eminentemente humano – a implicância, contudo, se alicerça na ingenuidade de que um filme de um amigo e intitulado "Caro" pudesse se transformar em ataque virulento contra o reacionarismo ou fosse elegante demonstração de imparcialidade.
Uma super-8 passeia pelo ambiente de um apartamento essencialmente branco. Na sala, muitos livros preenchem a mesa do centro e algumas vozes inaudíveis fazem o fundo; um senhor de postura alemã, cabelos brancos e óculos preto de aro grosso está acomodado no sofá. A câmera se aproxima. O homem parece encaixar a voz para um comentário aleatório. “Estamos aqui”, diz em tom grave e dirigindo-se ao espectador, “fazendo um teste com essa câmera amadora para saber se é possível fazermos um filme melhor do que todos os já realizados pelo cinema brasileiro”. O homem em questão, não há dúvidas, é Paulo Francis.
Alcunhas e admiradores não faltaram a este carioca que começou como crítico de teatro: intelectual, direitista, radical, reacionário, preconceituoso, polemista profissional e, às vezes, até jornalista. Eram alguns dos rótulos que procuravam definir o caráter opinativo de uma das mais importantes figuras públicas da imprensa brasileira. A verdade é que as nomenclaturas funcionavam como uma teoria que, quanto mais esforço empenhasse para compreender o objeto estudado, mais este a surpreenderia. Com a previsibilidade dos geniosos, Francis angariou admiradores e detratores, ambos no ponto máximo. Uniu e dividiu grupos na máxima de que se estava com ou contra ele, pois a indiferença era mesquinha e inaceitável.
O maior defeito de Caro Francis está longe de ser o posicionamento do diretor – e, talvez tal atitude soasse como grande ironia frente ao retratado – mas, sim, na ineficiência de trazer ao espectador qualquer revelação ou surpresa. Elaborado sob uma estrutura simplista, o que encontramos depois dos 90 minutos de projeção significa muito pouco para aqueles que tem informações prévias sobre Francis. Tem-se o desgosto de perceber que ou tudo sobre Francis já havia sido dito ou, então, a mentira de que há pouco a se dizer sobre ele. Pela proximidade do diretor para com o círculo do biografado era de se esperar que conseguisse mistificar ou desmistificar o personagem que aborda e, no entanto, torna-se tão lugar-comum quanto Carmen, de Bizet.
A estrutura tradicional escolhida pelo diretor resume-se ao acervo de imagens, opiniões de amigos, colegas de trabalho e admiradores – inclusive uma banda de rock! – e à coleção de situações revisitadas trazendo a manifesta sensação de que Hoineff quis – e conseguiu – construir um filme em lembrança, em homenagem ao amigo. Das situações polêmicas, duas são cruciais e chamam a atenção por se localizarem respectivamente no início e no fim da vida de Francis. A primeira, ainda como crítico de teatro do Diário Carioca, foi a discussão com Paulo Autran originada depois de uma crítica extremamente dura contra a atriz Tônia Carrero. Posteriormente, desta vez como comentarista do programa de televisão Manhattan Connection, Francis envolveu-se em uma disputa judicial com o presidente da Petrobrás, Joel Rennó, cujo desenrolar culminará na mais estridente tese do filme.
Bem vindo como resgate da memória e da vida de um homem intrinsecamente ligado ao debate intelectual brasileiro, Caro Francis é uma demonstração de amizade e respeito pelo homem por detrás da multifacetada personalidade jornalística. Exemplo quase solitário de homenagem em um país que sofre com o dom do esquecimento dos homens que aqui surgem, principalmente se estes fizerem das ideias bandeiras e as tremularem com tal vigor a ponto de fazerem com que os demais acreditem, pelo menos uma vez, em alguma coisa. Afinal, somente os idiotas não se contradizem.
Últimos artigos deWillian Silveira (Ver Tudo)
- Banco Imobiliário - 4 de agosto de 2020
- Tropykaos - 30 de março de 2018
- Os Golfinhos Vão Para o Leste - 24 de novembro de 2017
Deixe um comentário