Crítica


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Sinopse

Jake Carson é um bombeiro dedicado e rigoroso, que não aceita que algo ocorra fora das regras impostas pela corporação. Ao resgatarem as crianças Bryan, Zoey e Will, ele e seus companheiros de trabalho enfrentam um enorme desafio: como não conseguem localizar os pais do trio, precisam eles mesmos cuidar das crianças, mesmo sem ter o menor jeito para a função.

Crítica

E foi-se o tempo em que um filme, para assim ser considerado como tal, precisava, no mínimo, ser dotado de uma história com início, meio e fim. Pois Brincando com Fogo é não mais do que uma ideia, um simples argumento tratado tão displicentemente que os corajosos cinemas exibidores deveriam dar os convites, senão pagar aos desafortunados que por aqui se aventurarem, ao invés de cobrar pela entrada. O que se vê em cena é um amontoado de clichês há muito já desgastados, que talvez tivessem feito algum sentido duas ou três décadas atrás, mas que agora soam tão anacrônicos quanto irrelevantes. E além de se propor a um exercício ultrapassado, também é conservador com o que exibe na tela, como se os absurdos praticados muito antes do politicamente correto continuassem válidos dentro de uma lógica ultrapassada.

O conceito é simples: queremos transformar um fortão em astro de cinema. Mas ele não pode fazer apenas longas de ação, tem que mostrar também versatilidade. E se ninguém é louco para colocá-lo interpretando Shakespeare, ao menos pode ser que numa comédia se saia razoavelmente bem. Agora, para criar um elemento de estranheza ainda maior, que tal colocar esse brutamontes ao lado de algumas crianças? Pois foi assim com Arnold Schwarzenegger (Um Tira no Jardim de Infância, 1990), Sylvester Stallone (Pequenos Espiões 3, 2003), Vin Diesel (Operação Babá, 2005) e Dwayne Johnson (O Fada do Dente, 2010), por exemplo. Agora chegou o momento de John Cena, talvez o mais inexpressivo de todos eles, se juntar ao mesmo time. Para completar a desgraça, no comando está o diretor Andy Fickman, que tem no currículo o igualmente torturante Treinando o Papai (2007) – também protagonizado por Dwayne Johnson, mas na época em que ainda assinava como ‘The Rock’!

Pois em Brincando com Fogo, Cena é um bombeiro-paraquedista, desses que vão de helicóptero em missões de resgate em incêndios mais complicados. Quando uma floresta é vítima de um desses acidentes, ele e sua equipe acabam salvando três irmãos que estavam sozinhos em uma cabana entre as árvores. E era isso. Durante os 90 minutos seguintes, tudo o que o espectador verá são essas crianças colocando o QG dos bombeiros de cabeça para baixo, tirando do sério todos que estiverem por perto, ao mesmo tempo em que irão ‘amolecendo seus corações’. No final, algo que não será surpresa para ninguém, o conjunto formará uma bela e disfuncional família feliz. Não dava para esperar nada muito diferente, não é mesmo?

Se a falta de originalidade é anunciada à distância, algumas das opções do realizador resultam em cenários mais preocupantes. A menina mais velha (Brianna Hildebrand, de Deadpool, 2016), é constantemente evasiva em suas respostas, deixando claro estar escondendo algo – e ninguém parece notar. Ela rouba um carro, sai sem licença e coloca os irmãos em perigo – sem falar de si mesma. O menino (Christian Convery, de Venom, 2018) atira sinalizadores em ambientes fechados, liga a mangueira do caminhão-tanque dentro da garagem e desrespeita qualquer autoridade. Mas nada é pior do que o visto com a caçula (Finley Rose Slater), que serve álcool de cozinha para os adultos beberem, atira revólveres de pregos aleatoriamente e enfrenta cachorros diante dos olhares dos demais. Em comum, a ausência total de consequências para cada um destes atos. Quem sempre paga o pato são os adultos, que aqui assumem formas idiotizadas, como se tudo fosse justificado em nome de uma piada que nunca chega a funcionar a contento.

Se a mistura não havia entornado ainda, é bom esperar, pois tem mais. Afinal, é bom estar preparado para altas doses de escatologia. Temos adultos vomitando ao serem obrigados a trocar a fralda de um bebê, outro que vai literalmente ‘aos pés’ no meio do mato com um dos pequenos nos braços – pois esse se ‘recusa’ a ficar sozinho – e outras tantas alusões à comidas e os destinos dessas dentro dos corpos de cada um. Sem falar nos estereótipos, como os colegas – John Leguizamo e Keegan-Michael Key – que servem apenas para reforçar antigas visões sobre minorias (um latino e um negro) que aparecem como escada para o personagem principal – esse, sim, um homem branco, hétero e cis. Ou a única presença feminina – a cientista interpretada por Judy Greer – que é ou ridicularizada pela sua profissão (“por que se preocupar tanto com sapos?”) ou reduzida a uma cuidadora de crianças, além de interesse romântico destituída de vontade própria, cuja presença se faz necessária apenas para agradar... o protagonista, é claro. Brincando com Fogo é o típico produto fora do seu tempo, que deveria vender apenas diversão despreocupada, mas tudo o que entrega é preconceito e irresponsabilidade.

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
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