Crítica

O movimento de câmera que abre Bistrô Romantique (2014) passeia por recortes de jornal que expõem parte da história local. No presente, é Dia dos Namorados. Um cardápio especial é então preparado, as mesas são devidamente arrumadas e as reservas quase todas confirmadas nesse bistrô que dá nome ao filme. A aparente harmonia é perturbada pelo primeiro cliente que aparece, o amor antigo da proprietária, surgido novamente após 23 anos. Neste momento, dá para imaginar que o longa será focado numa dinâmica já bastante vista: o acerto de contas que precede o enterro ou da ressurreição de uma grande paixão. Pois, com a chegada dos outros clientes, veremos que a direção será ligeiramente diferente.

Dividida em capítulos, nominados conforme os pratos servidos, a narrativa de Bistrô Romantique se constrói de mesa em mesa, passando não sem efeito também pela cozinha. O foco é o relacionamento dos casais, seus eventuais problemas e particularidades. Cada um desses pequenos núcleos expõe uma faceta diferente – e não raro melancólica – seja de casamentos, namoros ou mesmo de um primeiro encontro. Do casal mais velho que sucumbiu à rotina quase sem perceber ao homem que aguarda ansioso para conhecer pessoalmente a mulher que o contatou pela internet, os segmentos parecem ambicionar a algo quando justapostos. Infelizmente, as partes valem mais que o todo – isso as que valem, fora as que dão a impressão de quase completa inutilidade -, pois seus dramas enfraquecem antes de reverberar à mesa seguinte.

Bistrô Romantique investe na comida, quem sabe para causar aquela sensação de fome imediata que pode metaforizar os desejos que tomamos por necessidade. No que diz respeito ao restante, porém, deixa bastante a desejar, em grande parte pela forma desajeitada com a qual transita entre uma fração e outra. Qual seria, por exemplo, a conexão, fora as mais óbvias e ordinárias, entre a mulher triste que degusta perigosamente seus chocolates e o homem mais velho que faz papel de idiota fingindo-se expert em vinhos para sua namorada bem mais nova? Pascaline, por sua vez, é uma protagonista insípida, que demonstra alguma profundidade somente perto do fim, quando confrontará seus amores. Viver a própria vida, atirando-se de cabeça numa aventura praticamente às cegas, ou abnegar novamente em prol dos demais?

E não bastasse Bistrô Romantique cambalear num vai-e-vem de situações que, paradoxalmente, perdem força à medida que caminham para uma, digamos, resolução, o encerramento do dilema de Pascaline, cuja decisão remete a um trauma familiar do passado, soa moralista. Há intenção de fazer crer que há algo de heroico no ato dessa filha, algo que, por conseguinte, teria faltado outrora à decisão de sua mãe. Não há nada de errado com a ação em si, mas com o trajeto que leva até ela, este sim responsável pela sensação moralista que perdura. Noite encerrada, casais que seguem suas vidas, restaurante fechado, e o que resta de Bistrô Romantique são alguns bons momentos, insuficientes em suas particularidades para fazer o filme deslanchar e ser mais do que segmentos simpáticos conectados sem muita habilidade.

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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.

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