Crítica
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Sinopse
O filme Bernadette conta a história da mulher por trás do homem. No palácio Eliseu, Bernadette (Catherine Deneuve) espera finalmente ser reconhecida após trabalhar durante anos à sombra do seu marido para que ele se tornasse presidente. Esquecida e considerada antiquada, ela decide se vingar, tornando-se uma figura pública famosa.
Crítica
Entre as primeiras perguntas que convém fazer diante de um filme, estão: ele estabelece algum compromisso com a realidade? Se sim, em qual nível? Bernadette é baseado em pessoas e acontecimentos reais, mas, antes de qualquer coisa, a cineasta Léa Domenach coloca em cena um coro avisando que a história conterá liberdades poéticas e artísticas, ou seja, que não é uma reprodução fiel dos acontecimentos em torno dos Chirac, família importante da política francesa nos anos 1990. Trata-se de uma versão farsesca das turbulências palacianas. A protagonista é Bernadette Chirac (Catherine Deneuve), figura pública e ex-primeira-dama francesa, pois esposa de Jacques Chirac (Michel Vuillermoz), presidente do país entre 1995 e 2007. A trama começa um pouco antes da eleição do homem ao posto mais alto do poder Executivo francófono, já quando havia sinais evidentes de que Bernadette estava fadada a ser uma figura decorativa no gabinete do marido. Confirmada a vitória, aí que ela perde qualquer espaço almejado para projetar a sua voz, sendo obrigada a tomar as rédeas da situação e empreender um enorme esforço de relações públicas a fim de ser enxergada como uma peça atuante. A diretora opta por um tom leve para contar essa história em que o machismo estrutural está presente pairando como sombra. Ainda que não aprofunde muito e negligencie certas nuances, ela tem o que dizer.
Léa Domenach enxerga Jacques Chirac como um sujeito inseguro, tolo e que silencia a esposa quase de maneira automática, como se essa atitude fosse o esperado não apenas de um homem, mas também do grande líder da nação. Bernadette não mergulha tão a fundo quanto poderia nessas engrenagens de exclusão da protagonista, a isso preferindo dar exemplos ligeiros de apagamento e posterior volta por cima. Como nas duas vezes em que Bernadette faz previsões apocalípticas, é rechaçada pelo marido e seus correligionários, para depois triunfar satisfeita com um sorrido irônico quando os prognósticos se concretizam. Curiosamente, a realizadora não parece muito interessada em localizar esse tipo de mentalidade machista como um componente comum dentro do universo da direita moderada. Aliás, faz pouca diferença a protagonista ser antagonista da esquerda progressista, o que enfraquece simbolicamente os esforços de aproximação com o público em busca da melhoria na sua imagem. Ao interpretar a personagem como uma vítima determinada a agarrar o volante do seu destino, Catherine Deneuve não ilumina as contradições da primeira-dama, com isso enfraquecendo a complexidade da mulher. No filme, ela é encarada como figura, quando muito, anacrónica em busca do próprio lugar ao sol. Parece que o filme está a todo o instante aliviando a barra pelo fato de ela ser uma excluída.
Mas, voltando à questão do compromisso que o filme pode (ou não) estabelecer com a realidade, Bernadette não é um retrato acurado da personalidade controversa, sendo próximo de uma pintura levemente distorcida pelos tons da farsa. Mais importante do que a imagem final sobre Bernadette é a coleção de tipos masculinos meio ridículos, os encarregados de ditar os rumos de um dos países mais importantes da Europa. Léa Domenach combina em vários momentos as filmagens com os arquivos, como quando mostra o encontro entre as primeiras-damas da França e dos Estados Unidos na região agrária (o domicílio eleitoral de Bernadette). Então, ainda que do ponto de vista prático se distancie da realidade, a cineasta busca uma aproximação estética dos fatos, inclusive recorrendo às imagens deles para garantir um pouco de credibilidade. Tudo é abordado de maneira ligeira e levemente repetitiva. O resultado é uma comédia divertida, repleta de citações a personagens célebres (como o estilista Karl Lagerfeld e o ex-presidente Nicolas Sarkozy), que rapidamente deixa claro a que veio e, ao longo de sua trajetória, apenas vai reafirmando uma indagação implícita: se Bernadette, ocupante de uma posição importante, burguesa privilegiada, é submetida ao silenciamento, a tática de dominação masculina é sistêmica? Faltou somente resolver a questão com respostas mais bem elaboradas.
Ainda que tenha aquela cara reconhecível de produção com engajamentos calculados para não ferir suscetibilidades e provocar um incômodo moderado ao discutir opressão, Bernadette tem seu charme como farsa lotada de personagens e situações propositalmente ridículas. Obrigada a aguentar a fama pública de esposa traída, removida das conversas mais importantes e alienada das decisões por conta da vaidade do marido, Bernadette se alia a Niquet (Denis Podalydès), relações públicas zombado, para modificar o modo como os eleitores a enxergam. O filme poderia se focar de maneira mais aguda nessa reversão de reputação, talvez dando espaço ao funcionário desacreditado como peça fundamental para essa mudança de imagem. O público que nutrir expectativas sobre a densidade da crítica poderá se sentir decepcionado. Já a fatia dos pagantes de ingresso que estiver estritamente em busca de um divertimento leve, com boas atuações de um rol de atores e atrizes formidáveis, pode encontrar aqui um bom programa. Afinal de contas, contemplar uma farsa interpretada por Catherine Deneuve, Denis Podalydès e Michel Vuillermoz tende a ser um deleite em si. Pena que a estreante em longas-metragens Léa Domenach não adicione um pouco de acidez e pimenta nesse molho medianamente saboroso, se contentando com a excentricidade do clã político, não o observando de modo contundente.
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Grade crítica
Crítico | Nota |
---|---|
Marcelo Müller | 6 |
Robledo Milani | 7 |
Celso Sabadin | 7 |
Alysson Oliveira | 4 |
Suzana Uchôa Itiberê | 6 |
MÉDIA | 4.8 |
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