Crítica
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Crítica
No início dos anos 2000, o produtor Rodrigo Teixeira fez uma proposta curiosa à Companhia das Letras: uma coleção de livros, chamada Amores Expressos, que enviaria diversos autores para diferentes cidades ao redor do mundo. Cada um deveria voltar de lá com um romance embaixo do braço e, dependendo da recepção, o passo seguinte seria adaptá-lo para o cinema. Da mais de uma dezena de volumes resultantes dessa iniciativa (alguns foram recusados, outros seguem incompletos, e teve até um que acabou saindo por outra editora), somente um foi levado aos cinemas: Estive em Lisboa e Lembrei de Você (2015), de José Barahona, baseado no texto homônimo de Luiz Ruffato. Isto até agora, pois Bem-Vinda, Violeta é o segundo título a resultar desse esforço. Porém, ao contrário do seu antecessor, esta transposição para a tela grande do livro Cordilheira, de Daniel Galera, não discorre tanto sobre o cenário ao seu redor, mas, sim, opta por se concentrar nos personagens que ali se encontram. Uma postura, no mínimo, inesperada, visto a iniciativa que lhe deu origem. E se esta mudança de rumo não se mostra óbvia, ao menos é feliz em se afastar de um lugar-comum no melhor estilo “guia de viagem” – nada mais distante, aliás.
Ao mesmo tempo em que abre mão das características típicas da geografia na qual o enredo se situa, também não seria justo afirmar que essa é uma história “que poderia estar ambientada em qualquer lugar”. Quem parte rumo a um destino até então desconhecido, na grande maioria dos casos assim o faz indo em busca de lugares externos, disponíveis à visitação, para por eles caminhar através de ruas e construções inesperadas, desbravando vilas e cidades e, por elas, se deparar com algo marcante e nunca visto. Pois bem, não é exatamente essa a intenção de Ana, a protagonista de Bem-Vinda, Violeta. Debora Falabella tem em mãos uma personagem inquieta, de motivações difusas, como se ela, assim como sua versão ficcional, estivesse em processo de descoberta do que fazer com o que encontra pela frente. Ana é uma escritora, e seu destino é um retiro no interior da Argentina, em uma localidade distante dos centros urbanos e demais distrações, próxima apenas da Cordilheira dos Andes. Lá, terá como companhia outros que, como ela, foram em busca das orientações do renomado – e misterioso – Holden (Dario Grandinetti, em performance assustadora).
Ele é o guia criativo e espiritual de um séquito de romancistas inseguros atrás não exatamente de inspiração, mas do empurrão necessário para abrirem mão das amarras que os aprisionam e, enfim, dar vazão às ideias que há muito acalentam, mas se veem com dificuldades para com elas lidar. Holden foi um homem famoso, reconhecido no mundo inteiro, mas que, por aqui, dá a impressão de seguir o ultrapassado ditado que afirma que “quem não sabe, ensina”. Seu último livro o provocou tamanho desgosto que, ao invés de publicá-lo, como seus fãs esperavam com ansiedade, optou por incinerar até a última cópia (ou quase isso). Um gesto tão impensável que terminou por funcionar ao contrário, e ao invés de passar desapercebido, o que conseguiu foi aumentar a mística ao seu redor. Seus alunos, os que decidiram segui-lo até esse fim de mundo – assim como Ana – vão aos poucos se vendo como discípulos, em uma forma de culto. O que estão criando logo passa a assumir o protagonismo de suas histórias. E, assim, Ana começa a se ver como Violeta – a sua personagem. A confusão entre as duas estará no papel e na vida real.
Essa falta de limites entre uma e outra fica evidente a partir da relação entre essa mulher e os dois homens de sua vida: o marido, a quem deixou em São Paulo para esse período afastada, e Holden, que de mestre e exemplo vai exercendo uma sombra sobre ela com força crescente, a ponto de determinar ações e enuviar intenções. O que ela quer? Terminar seu livro e partir, como havia dito no início? Ou estender essa permanência até não mais reconhecer a si mesma, perdendo-se em um misto de conselhos a serem seguidos e ordens que precisam ser executadas? A fronteira entre a arte e o que cada indivíduo deve ou não se mostrar disposto a ir em nome dessa também parte de uma discussão profunda e estarrecedora pela carência – de ambos os lados – que abraça. O que é mais importante, a moral enquanto seres humanos e os valores que tanto controlam quanto restringem, ou o legado que se permitirão deixar, uma vez que nada mais parece ser relevante? Ana e Violeta não podem conviver uma com a outra, assim como Holden também não conseguiu ir adiante com o que tinha em si.
Fernando Fraiha, aqui diretor e roteirista, deixa de lado a comédia que havia marcado seu trabalho até então (em filmes como La Vingança, 2016, ou a série Ninguém Tá Olhando, 2019), e ao lado da roteirista Inés Bortagaray (A Vida Invisível, 2019) entrega uma obra madura, menos preocupada com os desdobramentos destas relações – ainda que estas não estejam fora do radar – mas atenta aos que respondem por estas ações, assim como as razões e comportamentos que os levam a cada um destes caminhos – muitas vezes inquietantes e até mesmo difíceis de serem aceitos num primeiro momento – mas nunca desprovidos de lógica (talvez de simpatia, mas essa é uma outra questão). Conduzido por dois intérpretes não dispostos a qualquer tipo de concessão e prudentes com o que os tipos de defendem de fato se importam, Bem-Vinda, Violeta resulta em uma jornada dura, por vezes exigente, mas grata pelo olhar delicado – e dedicado – com o qual se apropria destes a frente dos seus acontecimentos e repercussões. Uma experiência árdua, por vezes tão intransponível quanto a mais alta das montanhas, mas que, uma vez vencida, pode se mostrar tão libertadora quanto um assertivo ponto final.
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Grade crítica
Crítico | Nota |
---|---|
Robledo Milani | 7 |
Alysson Oliveira | 4 |
Miguel Barbieri | 6 |
Francisco Carbone | 5 |
Suzana Uchôa Itiberê | 6 |
Monica Kanitz | 6 |
MÉDIA | 5.7 |
Profundamente forte e reflexissivo! Quando vc vive o filme cada instante e sai pensando sobre a escrita da tua vida! Excelentes atuações, Debora está totalmente imersa!