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Sinopse

A trajetória do coletivo de jornalismo investigativo Bellingcat, um associação online que une personalidades do mundo todo em busca da verdade através de avançadas técnicas de pesquisa digital. Com acesso exclusivo, mostra em primeira mão o poder investigativo desses jornalistas e sua influência em casos polêmicos ao redor do mundo.

Crítica

Música de suspense. Quartos escuros, onde uma pessoa solitária digita freneticamente no teclado de um computador – seu rosto é iluminado apenas pela luz da tela. Frases dispersas, em off, sobre o mundo em estado de crise. Letreiros azulados cuja tipografia simula as palavras digitadas em sistemas de informática. Fachadas de grandes cidades mundiais, de preferência europeias. Microtelas se multiplicando dentro da tela, indicando trocas de mensagem por celular ou nas redes sociais. A porta de entrada para este documentário não é tanto a sua temática, e sim um “imaginário hacker”, ou seja, uma estética que se tornou comum para abordar o submundo virtual e as práticas extraoficiais.

O espectador se encontra diante de um projeto certamente bem produzido, com acesso a muitas pessoas, cidades e imagens, ainda que agenciadas com evidente tendência ao espetáculo, cativando o espectador pela ideia de perigo constante. Os ativistas da rede Bellingcat, que descobriram como usar ferramentas de rastreamento e imagens da Internet para conduzir investigações sobre guerras e zonas de conflito, são elevados ao status de heróis contra as informações falsas e os governos corruptos, que manipulam a mídia a seu favor. Como sugere um entrevistado, eles são ainda mais louváveis por efetuarem estas pesquisas voluntariamente, sem qualquer tipo de proteção policial, dentro de suas casas. Por se arriscarem em nome da “verdade” e da “justiça”, nas palavras deles, merecem o tratamento de paladinos invisíveis.

O diretor Hans Pool nutre evidente admiração por estes homens, permitindo que eles controlem, sozinhos, todo o ponto de vista do documentário. Por um lado, isso garante falas despojadas e sinceras por parte dos entrevistados. Por outro lado, impede que o cineasta imprima qualquer forma de distanciamento em relação aos fatos narrados. O filme apresenta apenas o que o Bellingcat deseja apresentar, sem qualquer investigação própria de Pool a respeito do contexto em que este grupo extraoficial se insere. Se todos trabalham voluntariamente, de onde surge o financiamento necessário para tantas viagens pelo mundo, tantos aparelhos de geolocalização, tantos computadores avançados? Os membros do grupo dizem sofrer pressão, mas isso já se traduziu em alguma ameaça concreta? O que torna os ativistas tão confortáveis para mostrarem o interior de suas casas e suas famílias, se não possuem qualquer proteção? Estas são apenas algumas perguntas essenciais não respondidas pelo projeto, por não partirem da iniciativa dos protagonistas.

O interesse do filme se volta menos à constituição do grupo em si do que em seu potencial de denúncia: munidos de imagens em livre circulação, através de redes sociais e Google Earth, eles conseguem pesquisar incidentes que ninguém mais examina em tamanha riqueza de detalhes. Assim, incomodam nomes poderosos como Vladimir Putin e outros líderes de pretensões pouco democráticas. Devido à intenção de ensinar a outras pessoas a reproduzir estas investigações, fazendo política dentro de casa, tanto o Bellingcat como o filme a seu respeito revestem-se da ambição considerável de mobilizar novas tropas, pelo mundo inteiro. Apesar da aparência de uma reportagem de luxo, o documentário não oculta a tendência panfletária, para o bem ou para o mal, ainda que sua inserção dentro de um campo político preciso seja pouco assertiva: ao incomodar Putin, o grupo se posicionaria imediatamente ao lado dos ucranianos? Ao questionar os bombardeios na Síria, se alinharia com os discursos de alguma potência europeia? Pool fala sobre uma nova forma de ativismo sem jamais inseri-lo na política diária, o que limita o alcance de sua exposição.

Sem este passo além, o documentário se resume a uma descrição competente, porém pouco inovadora, sobre a existência de notícias falsas e a necessidade de combatê-las. Ironicamente, efetua-se uma investigação básica sobre sujeitos especializados em investigações complexas. Mais do que isso, rumo ao final, busca-se legitimar o Bellingcat através das mesmas instituições que o grupo critica: na intenção de mostrar que as deduções dos ativistas estavam de fato corretas, e que Putin de fato mentiu sobre o bombardeio de um avião, o documentário recorre às conclusões da polícia, além de premiações a seus membros. Ora, de que adianta criticar a “verdade” dos discursos oficiais para recorrer aos mesmos no final? De qualquer modo, resta a incitação válida à política feita por cidadãos comuns, além de algumas reflexões profundas elaboradas por duas mulheres eloquentes e muito inteligentes, na condição de entrevistadas.

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Crítico de cinema desde 2004, membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema). Mestre em teoria de cinema pela Universidade Sorbonne Nouvelle - Paris III. Passagem por veículos como AdoroCinema, Le Monde Diplomatique Brasil e Rua - Revista Universitária do Audiovisual. Professor de cursos sobre o audiovisual e autor de artigos sobre o cinema. Editor do Papo de Cinema.
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