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Sinopse

Lucille Ball e Desi Arnaz se casaram nos anos 1940. Os dois eram atores de pouco sucesso até conquistarem a fama com a sitcom I Love Lucy, número 1 de audiência nos Estados Unidos. No entanto, rumores indicando que Lucille seria comunista e as suspeitas de infidelidade do marido ameaçam a estabilidade do casal.

Crítica

Desde que escreveu o roteiro de algumas das séries norte-americanas mais prestigiosas das últimas décadas (West Wing, The Newsroom), Aaron Sorkin se tornou conhecido por um traço específico: o prazer pelos diálogos ferozes. Seus personagens constituem metralhadoras de insultos. Eles falam sem respirar, em frases longuíssimas, enquanto caminham por corredores, de uma sala de reunião à seguinte. Não demorou até a indústria apostar que o escritor seria um bom diretor, oferecendo-lhe o comando de longas-metragens onde poderia imprimir o estilo nervoso propício a deixar seus atores brilharem — em processo análogo àquele de outros roteiristas-autores, como Charlie Kaufman. Em seus próprios filmes, Sorkin segue executando aquilo que se espera dele, e para o qual foi contratado: extensos debates verbais ininterruptos entre as altas esferas do poder, sejam elas ilegais (A Grande Jogada, 2017), constitucionais (Os 7 de Chicago, 2020) ou midiáticas (Apresentando os Ricardos, 2021). Ao invés de um grande roteirista, seria adequado considerá-lo um grande dialoguista, figura da tradição hollywoodiana que desapareceu dos estúdios há décadas. Talvez ainda caiba uma precisão: ele seria, em primeiro lugar, um artista dotado de um estilo particular na elaboração dos diálogos, ao invés de um dialoguista exemplar. 

A biografia produzida pelo Amazon Prime apresenta uma síntese das forças e fraquezas do método Sorkin. Por um lado, os diálogos são, de fato, afiadíssimos. O cineasta possui a astúcia de eleger o período de uma única semana na vida de Lucille Ball (Nicole Kidman) e Desi Arnaz (Javier Bardem), atores casados que estrelaram a sitcom I Love Lucy. Estes dias específicos concentram a acusação de comunismo contra a atriz principal e a suspeita crescente de infidelidade contra o marido cubano que passava as noites em bares enfumaçados e barcos com os amigos. Os conflitos se condensam e se sobrepõem: enquanto ensaia sua próxima esquete de humor físico, Lucille encara a possível prisão, o término da carreira e a perspectiva de um divórcio iminente. Uma tensão provoca a seguinte, em efeito cascata, fazendo com que aspectos pessoais e profissionais se misturem. “Eu quero que você me ajude a salvar meu casamento”, declara a estrela do programa ao produtor e showrunner. Em paralelo, ela se descobre grávida, tentando convencer os acionistas conservadores da época a aceitarem uma protagonista sexualmente ativa em cena. Espreme-se uma quantidade impressionante de dilemas, o que ainda inclui a inveja da colega (Nina Arianda), o machismo com as roteiristas mulheres e as revelações dos roteiristas reais, presentes em sequências paralelas de falso documentário (quanto atores idosos interpretam os escritores da sitcom).

No entanto, o criador possui uma concepção pobre de mise en scène. As sequências se equivalem: dois personagens se insultam e agridem verbalmente numa sala; saem para o corredor, quando dois outros se insultam e agridem verbalmente; entram numa terceira sala, onde novas figuras terão a oportunidade de se insultar e agredir verbalmente. As habituais caminhadas entre figuras apressadas foram substituídas por conversas de figuras sentadas ou de pé, em tradicionais plano e contraplano. Esqueça os respiros, as poesias, metáforas, contemplações, ambiguidades, ou mesmo as filmagens fora do estúdio: a quase integralidade da narrativa se situa na parte interna de salas e locações da série. Ninguém possui vida lá fora, interações em casa, problemas pessoais. Resta a impressão de que Apresentando os Ricardos foi filmado por completo em estúdio, sobre fundos decorativos com os quais Lucille, Desi e os demais interagem pouco — em outras palavras, o cinema jamais se descola do referencial televisivo ao qual faz menção. Em paralelo, todos os personagens carregam idêntico senso de ironia e velocidade nas falas. Este é um dos principais argumentos pelos quais Sorkin passa a ser considerado, por parte da crítica, um dialoguista de habilidades contestáveis: um bom criador precisa entender que as pessoas se expressam com vocabulários, ritmos e tiques próprios. O nivelamento das interações em teor grave e grandiloquente provoca o cansaço e o senso de previsibilidade.

Ressalvas feitas, os atores abraçam com gosto a dinâmica de provocações. Nicole Kidman revela uma aptidão inesperada para este estilo de roteiro, encarnando com naturalidade a mulher descrita como gestora habilidosa e cínica de sua própria fama, ao contrário da figura dócil que representava na série. Ela passa em questão de segundos de Lucy a Lucille, ressaltando o abismo entre os registros. Javier Bardem se destaca nas sequências de música em cabarés noturnos, tornando-se o coadjuvante ideal para a dominação midiática da esposa. O forte elenco de coadjuvantes especializados em comédia (Alia Shawkat, Tony Hale, J.K. Simmons e uma surpreendente Nina Arianda) se encarrega de manter o fluxo e encontrar alguma variação mínima entre cinismo, sarcasmo, ironia e autodepreciação. Passado o estranhamento inicial da invasiva maquiagem de Nicole Kidman, transformada em boneca de porcelana, e da agilidade dos ataques e contra-ataques, o drama diz a que veio, contextualizando o conservadorismo norte-americano e a carga suplementar depositada sobre os ombros das mulheres. As trocas entre personagens femininas, sobretudo no caso de Lucille-Vivian e Lucille-Madelyn, proporcionam os melhores instantes do filme, quando visões opostas da autonomia feminina se confrontam nos bastidores. Quase se esquece que, por trás do estilo ostensivo, existe um retrato impiedoso das censuras políticas e ideológicas praticadas na televisão norte-americana.

Para diversos espectadores, bastarão as atuações competentes e a autoria vaidosa, buscando chamar atenção a si própria e suas proezas de roteiro. No entanto, por trás do espetáculo, resta uma demonstração limitada da linguagem cinematográfica. O mergulho na metalinguagem, na transformação da imagem-cinema para a imagem-TV, do colorido ao preto e branco, poderia gerar inúmeras brincadeiras com a montagem, as texturas e o jogo de cena. Sorkin ignora estas possibilidades, preferindo ilustrar suas conversas com rara subversão das formas. Restam atores fortes, entregando diálogos explosivos diante de um fundo pálido de cartolinas e objetos cenográficos. A estrutura se modifica pouco a partir dos momentos iniciais. Talvez o diretor venha a oferecer filmes mais instigantes plasticamente quando começar a explorar a profundidade de campo, o espaço e o som fora de quadro, a dissociação entre som e imagem, o poder dos silêncios, as insinuações por trás de um olhar ameaçador ou desejante, um movimento de câmera inesperado, um foco de luz capaz de destacar aspectos novos do cenário. Há um mundo de possibilidades ignoradas pelo autor-escritor-dialoguista. Pequeno parêntese: a peça A Mais Forte (1889), de August Strindberg, imagina o confronto entre duas mulheres: a Sra. X, que se expressa sem parar, insultando a colega, e a Sra. Y, que permanece calada, aguentando de maneira estoica ou orgulhosa as alfinetadas. Quem seria a mais forte? Cria-se notável volume de jogo cênico a partir desta configuração. Nas mãos de Sorkin, imagina-se que as duas senhoras falariam a gosto, disparando tiradas mordazes a plenos pulmões. Os diálogos se tornariam um meio e uma finalidade em si próprios, a exemplo da obra cinematográfica-televisiva de 2021. Quem é o mais forte em Apresentando os Ricardos?

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Crítico de cinema desde 2004, membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema). Mestre em teoria de cinema pela Universidade Sorbonne Nouvelle - Paris III. Passagem por veículos como AdoroCinema, Le Monde Diplomatique Brasil e Rua - Revista Universitária do Audiovisual. Professor de cursos sobre o audiovisual e autor de artigos sobre o cinema. Editor do Papo de Cinema.
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