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Sinopse

​Delphine escreveu um romance muito pessoal dedicado à sua mãe, que virou um best-seller. Exaurida e fragilizada por suas lembranças, ela é atormentada por cartas anônimas que a acusam de jogar sua família aos leões. Até que Elle, uma jovem charmosa, inteligente e intuitiva, cruza seu caminho. Delphine se aproxima de Elle, confia e se abre para ela. Até onde Elle irá após se mudar para o apartamento da escritora?

Crítica

Quando um cineasta da envergadura de Roman Polanski cria algo de qualidade bem abaixo da média de seus filmes anteriores, a decepção tende a ser grande. É o que acontece com Baseado em Fatos Reais, tentativa quase totalmente infrutífera de edificar um suspense psicológico calcado na amizade recente que liga uma dupla de mulheres aparentemente distintas. A protagonista é Delphine (Emmanuelle Seigner), escritora celebrada pelo sucesso de um livro bastante pessoal dedicado à sua mãe. Durante a fatigante sessão de autógrafos, ela é interpelada por Elle (Eva Green), jovem de olhar sedutor que se diz sua fã. Desde o princípio, é tudo truncado, com a encenação não dando conta de evidenciar verdadeiramente a tensão entre as duas. O movimento de aproximação é forçado, o que expõe a mão pesada do realizador para conduzir esse envolvimento com o mínimo de representatividade. Quando menos esperamos, uma já faz parte da rotina da outra, sem mais aquela, de maneira trôpega.

Polanski erra feio ao construir essa interação claudicante, ora investindo energia e tempo na dependência de Delphine, ora lançando luz sobre a inconstância de Elle, mulher dada aos rompantes de agressividade. Guardadas as devidas proporções, o jogo estabelecido entre elas remete aos semelhantes de Persona: Quando Duas Mulheres Pecam (1966) e Acima das Nuvens (2014)aliás, o diretor deste, Olivier Assayas, é um dos roteiristas de Baseado em Fatos Reais –, mas sem a mesma qualidade e profundidade. Aliás, as coisas são muito rasas neste longa-metragem debruçado insuficientemente sobre questões de identidade somente reveladas com clareza no encerramento. Nem mesmo as atuações se salvam nesse conjunto, no mínimo, irregular e frágil. Eva Green está numa chave exagerada, recorrendo a caras e bocas para denotar a imprevisibilidade da personagem. Já Emmanuelle Seigner possui um trabalho não menos burocrático, praticamente sem vida, do que decorre a sensação de vazio.

O roteiro rocambolesco tenta, a todo o momento, inserir pistas aparentemente importantes com a entrada em cena de Elle. A voltagem erótica entre as duas é insuficiente para justificar a sua evocação. Não há tônus dramático no desenvolvimento acometido repetidas vezes por uma banalidade flagrante. As potencialidades do roteiro são diluídas por conta de opções artísticas questionáveis, como a insistência em mostrar a debilidade patente da protagonista e as frequentes investidas de Elle contra a intimidade dessa mulher que a acolheu em casa prontamente. Há um segredo guardado a sete chaves, cujo descobrimento muda completamente o entendimento do filme. De qualquer forma, mesmo a revelação não é satisfatória como componente de ressignificação, pois surge na telona ressentindo-se de algo que tivesse lhe estofado sobremaneira anteriormente. As intrigas são banais, assim como também o são as crises periféricas que em nada ressoam.

Sobrevém à sessão de Baseado em Fatos Reais a frustração diante da nova realização de um dos grandes cineastas do cinema. É realmente uma pena que Roman Polanski tenha descambado para um terreno tão fútil, não extraindo camadas dessa improvável amizade. Em dado momento, Delphine quase vira a partida, relatando, em meio a pesquisa de um novo livro, a vida de Elle. O filme ameaça uma inversão produtiva de papeis, principalmente na dinâmica de poder posta. Todavia, esse movimento, assim como significativa parte dos demais, é breve, não produz efeito, servindo mais à condição de ruído narrativo. Na medida em que a trama avança, o resultado exibe mais instabilidades e inconsistências, sofrendo demasiadamente para garantir a nossa adesão. Com atuações acima do tom, mesmo à proposta revelada totalmente apenas perto do fim, pegada frouxa do ponto de vista diretivo, este longa se aproxima de congêneres, mas sem personalidade, especialmente a de Polanski.

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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.
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