As Provadoras de Hitler

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Sinopse

Em As Provadoras de Hitler, um grupo de mulheres é forçado a provar a comida do líder nazista para garantir que ela não está envenenada. A jovem Rosa encontra-se dividida entre o medo, a sobrevivência e uma inesperada amizade entre as provadoras. Drama/História.

Crítica

Filmes baseados em fatos costumam ser terreno fértil para adaptações cinematográficas. E entre esses, o cinema europeu tem se demonstrado particularmente propenso a olhar para suas próprias feridas ocasionadas nas últimas décadas. A maior delas, é claro, segue sendo a Segunda Guerra Mundial e seus efeitos. Silvio Soldini, cineasta italiano conhecido por realizações de profundo caráter humanista, como Emma e as cores da vida (2017) e Vítima 3/19 (2021), se volta agora a esse episódio de profunda relevância histórica, sem deixar de lado, no entanto, o apreço ao íntimo destes protagonistas muitas vezes desconhecidos, mas de fácil identificação. Em As Provadoras de Hitler, parte de uma revelação que por pouco não passou à margem dos grandes eventos. Apenas em 2014, com a morte aos 97 anos da última sobrevivente entre as que foram submetidas a essa inglória tarefa que está no título, é que tal apontamento veio à tona. O relato do seu passado se tornou público, e em 2018 a escritora Rosella Postorino lançou um livro ficcional que romantizava tal passagem. Trata-se, portanto, de uma adaptação desse volume, e não fruto de uma pesquisa mais detalhada. Com os ganhos e tropeços que uma decisão como essa naturalmente acaba incorrendo.

Já com o conflito armado em andamento, Rosa (Elisa Schlott, que participou na terceira temporada da série Das Boot, 2022) decide abandonar a capital Berlim, cada vez mais destruída pelos ataques constantes, e se refugiar na casa dos sogros, no interior. A carência – de comida, de atendimento, de transporte, de oportunidades de trabalho – é geral, e com o marido servindo no front, caberá a ela lutar por sua sobrevivência. A dúvida sobre o que fazer a seguir não durará por muito tempo. Poucos dias após sua chegada, militares surgem à porta convocando-a a ir com eles. No camburão, se vê ao lado de outras mulheres como ela. São sete ao todo, que são levadas até um centro de comando que muitos afirma ser um dos pontos de resistência do exército alemão. E o boato que corre pelas redondezas se mostra verdade: é ali que está recolhido ninguém menos do que o próprio Hitler, que teria deixado a capital justamente por ela ser muito visada, e desse lugar menos conhecido estariam sendo concebidas as estratégias para a continuidade da guerra.

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Agora, qual o papel dessas mulheres? Outro mistério que rapidamente será esclarecido. Afinal, se faz necessário uma logística imensa em tais mudanças como essas do alto comando. Entre as adequações relacionadas estão hospedagem, transporte e alimentação. E é nesse ponto em que elas se encaixarão. Por mais que seja apenas um chef e que a cozinha seja vigiada, “nunca se sabe”, como chegam a afirmar. O papel delas será provar todos os alimentos ali preparados antes de que sejam enviados ao führer. Cada garfada, ao mesmo tempo em que lhes permitirá experimentar sabores e uma fartura a qual a grande maioria da população do país não tem acesso há meses e anos, também poderá significar uma morte lenta e dolorosa, caso o prato esteja envenenado. O dilema é imenso, mas a elas não é dada a possibilidade de escolha. Ou comem, ou são executadas. E a situação da protagonista se torna ainda pior a partir do momento em que se apaixona por um dos oficiais encarregados de supervisioná-las (Max Riemelt, abrindo mão do charme que o levou ao estrelato internacional na série Sense8, 2015-2018). A relação entre os dois se mostra quase uma consequência – o ser humano também é feito de instintos, entre eles o sexual – e menos uma vontade ou mesmo paixão. O envolvimento começa tão gratuito, quanto se mostra ao fim. Sua inserção, portanto, só se justifica no esforço de qualificar essas mulheres como seres complexos, e não apenas peças de uma engrenagem maior e mais trágica.

Há problemas em As Provadoras de Hitler que são incontornáveis, no entanto. O primeiro e mais evidente é que todos os personagens, desde as moças sinalizadas no batismo dessa história até os coadjuvantes, são nazistas. Tem-se a impressão de que o diretor só percebeu essa dificuldade mais ao final, quando trata de caracterizar alguém com ligações judaicas para propor um oprimido, e o parco desenvolvimento desse elemento, assim como o rápido desfecho dado a tal revelação, desmerecem o tratamento recebido. Sem que o líder máximo seja sequer uma presença – nunca mais do que uma menção ou mesmo uma ameaça não concreta, pois todas tratam em suas lógicas de justificar os atos aos quais se veem sujeitas – o lado romântico também é diminuído pela sua ausência de repercussões ou mesmo motivação. Haveria uma via a ser percorrida que indicaria analisar a lavagem cerebral por qual essa população se viu imposta e os reflexos dessa política no indivíduo, mas este era uma caminho ao qual o diretor não estava interessado. Também curioso é tal trama ter atraído a atenção de um realizador italiano, visto que sua ambientação é na Alemanha e os diálogos são inteiramente nessa língua. Enfim, a notoriedade que levou à essa realização não encontra base que sustente sua existência além de uma curiosidade pontual, mas sem condições de ir muito além disso.

Filme visto durante o 20o Festival de Cinema Italiano no Brasil, em novembro de 2025

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.

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