Crítica


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Sinopse

Treze diretores europeus são convidados a criarem curtas-metragens a respeito de Sarajevo, para investigarem de que modo a cidade, epicentro da Primeira Guerra Mundial, ainda repercute dentro do continente cem anos mais tarde.

Crítica

Os letreiros iniciais apresentam não apenas os objetivos do projeto coletivo, mas um resumo do contexto histórico que pretende investigar. Trata-se de uma evocação do papel de Sarajevo na Europa, 100 anos depois do estopim da Primeira Guerra Mundial, iniciada em 1914. Treze diretores foram convidados a desenvolverem curtas-metragens de temática livre, com menos de dez minutos de duração cada, para refletirem sobre as transformações sociais, políticas e econômicas na Bósnia, “unindo o passado e o futuro”. A proposta constitui um desafio tão ambicioso quanto propenso ao fracasso, por tentar resumir uma complexidade impressionante no formato curto, colado artificialmente a projetos equivalentes (o que provavelmente levou muitos diretores a buscarem um formato mais linear). Os artistas foram restritos não apenas pela duração diminuta, mas também pelo objetivo grandioso, e finalmente pela necessidade de oferecerem filmes-diálogo, capazes de conversar com pontos de vista distintos em outras partas do continente.

Diante de tamanhas ambições, o resultado se revela heterogêneo, costurando filmes bastante inventivos com outros tristemente pedagógicos e limitados enquanto discurso. Cristi Puiu, Sergei Loznitsa, Angela Schanelec e Jean-Luc Godard, provavelmente os diretores mais conhecidos e experientes do grupo, se sobressaem por não encararem de modo excessivamente literal o objetivo proposto. Sem surpresa, os melhores curtas-metragens são aqueles centrados numa leitura metafórica ou poética do papel de Sarajevo na Europa. Trata-se também de filmes concebidos por artistas formalistas, capazes de encontrar em um plano-sequência (Puiu), em close-ups no rosto de um adolescente (Schanelec) e num único conceito de sobreposição de imagens (Loznitsa) uma proposta de discurso através da forma. Sarajevo torna-se menos uma capital física do que um espaço de memória, um símbolo de traumas históricos, uma evocação do início simbólico do século XX. Cada um a seu modo, estes diretores – em conjunção com Teresa Villaverde e Isild Le Besco – buscam encontrar laços entre o passado e o presente, inserindo os personagens no espaço urbano, e deixando que as ruas da cidade contemporânea efetuem o contraste necessário entre a Bósnia de 1914 e a Bósnia atual.

Talvez nenhum destes projetos seja surpreendente ou genial – trata-se, claramente, de um trabalho de encomenda encarado com respeito, porém sem profundo investimento pessoal por parte dos criadores -, no entanto os filmes citados proporcionam um contato entre gerações, funcionando seja como cautionary tale para a juventude, seja como lembrete sobre a importância de se estudar a História. As Pontes de Sarajevo (2014) é prejudicado pelo aspecto coercitivo da proposta, como se os artistas fossem convidados não apenas a evocarem um tema, mas também a materializarem um discurso pré-moldado. Por isso, quanto mais os cineastas fogem à armadilha de louvar a cidade ou relembrarem os males da guerra, melhor se torna o resultado. Em contrapartida, os bons projetos citados acima se equilibram com uma série de curtas fracos, sobretudo os três primeiros, propostos por diretores bósnios, sérvios e italianos, e muito mais literais no resgate da História. É possível que Leonardo di Costanzo, Kamen Kalev e Vladimir Perisic tenham sucumbido ao peso da tarefa, trazendo reconstituições novelescas da época, inclusive recriando o assassinato do arquiduque Francisco Fernando por Gavrilo Príncipe. Os episódios solenes atingem o ápice no décimo primeiro segmento, dirigido por Vincenzo Marra, onde a história é evocada de modo tão óbvio que beira o humor involuntário – sem falar na utilização literal das pontes de Sarajevo mencionadas pelo título.

Pensando o filme enquanto conjunto ao invés de uma coletânea de curtas-metragens, talvez ele não transmita um discurso unificado sobre o imaginário de Sarajevo na Europa. Mesmo assim, alguns procedimentos se repetem entre as narrativas: primeiro, a utilização de personagens infantis para representarem as novas gerações crescendo sem consciência da História, precisando do suporte dos pais para se moldarem enquanto cidadãos. Teresa Villaverde, Isild Le Besco, Ursula Meier e Marc Recha optam por esse caminho. Além disso, muitos diretores utilizam filtros artísticos para representarem a História da Europa no século XX. Ao invés de apenas recriarem uma guerra em oito minutos, como faz Leonardo di Costanzo, optam por colagens de materiais de fotografias de época (Jean-Luc Godard, Sergei Loznitsa), evocações a partir da música (Teresa Villaverde) e da literatura (Cristi Puiu), às vezes transformando os materiais de arquivo em personagens (Vladimir Perisic) ou introduzindo os personagens literalmente numa sala de aula (Angela Schanelec). É possível que o resultado interesse mais pelas saídas conceituais encontradas pelos cineastas do que pelas reflexões propostas a respeito dos Bálcãs.

Em paralelo, cada curta-metragem é entrecortado por uma animação sobre braços formando pontes, depois se desfazendo e sendo reconstruídos por meio de livros. Por mais lúdica que seja a proposta, ela resulta na infantilização do tema ao posicionar a História dentro de uma leitura moral: reforça-se a importância da união entre as pessoas, da arte e dos estudos enquanto elementos constitutivos de um futuro melhor. Pelo menos os diretores fugiram de tamanha inocência em suas construções, ainda que tenham oferecido obras excessivamente autoimportantes. Neste sentido, a montagem é feliz em concluir o filme com o curta-metragem de Ursula Meier, o único capaz de introduzir um pouco de humor em meio aos conflitos. Enquanto as diversas relações entre crianças e adultos dos demais segmentos se movem por traumas e abandonos, a cineasta francesa acredita que ambos possam enxergar o passado com consciência, porém também com leveza. Trata-se de um bom respiro – ainda que bastante curto – entre filmes pretensiosos, de sucesso razoável, e com dificuldade em dialogar uns com os outros para além da forçosa aproximação da montagem. Este se torna o sintoma de um projeto coletivo mal direcionado pela produção que, incapaz de pensar no resultado em conjunto, limita-se a receber os filmes propostos e juntá-los da melhor maneira possível. A força reside menos no longa-metragem como um todo do que em alguns segmentos isolados.

Filme visto online do We Are One: A Global Film Festival, em junho de 2020.

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Crítico de cinema desde 2004, membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema). Mestre em teoria de cinema pela Universidade Sorbonne Nouvelle - Paris III. Passagem por veículos como AdoroCinema, Le Monde Diplomatique Brasil e Rua - Revista Universitária do Audiovisual. Professor de cursos sobre o audiovisual e autor de artigos sobre o cinema. Editor do Papo de Cinema.
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