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Sinopse

Rose-Lynn Harlan é uma cantora de Glasgow, na Escócia, que sonha em se tornar estrela da música country em Nashville, no Tennessee, EUA. Ex-presidiária e mãe solteira de dois filhos, é forçada a encarar responsabilidades urgentes e arruma um emprego de diarista. No entanto, acaba encontrando quem dê apoio ao seu sonho aparentemente louco.

Crítica

Este drama parte de uma convicção arriscada. Ele acredita que sua protagonista é uma mulher tão encantadora que o espectador estará disposto a ignorar as suas inúmeras falhas pelo prazer de vê-la em tela. Desde a primeira cena, Rose (Jessie Buckley) está saindo da prisão mais alegre que o cinema já retratou, onde as outras prisioneiras a adoram e os guardas a veneram. Ela canta, passeia, e chega na casa de um ex-namorado onde também é recebida calorosamente. No restaurante onde trabalhava, brigam com ela, mas nada importa: ela ainda pega uma cerveja gratuita e promete voltar aos palcos do bar. Rose não é uma personagem qualquer, inserida dentro de uma sociedade maior do que ela, pelo contrário: neste roteiro, o mundo existe em função de Rose, orbitando ao seu redor.

Os coadjuvantes surgem em função dela, e deixam de ter uma vida pessoal quando a aspirante a cantora não se encontra em cena. Ainda mais curioso é o fato de todos dedicarem suas vidas, seu sorriso e seu dinheiro à jovem que não trata ninguém muito bem: a nova patroa da casa onde faz faxina imediatamente lhe dá passagens de trem e organiza uma festa em seu nome, um produtor requisitado a recebe prontamente e a ciceroneia durante um dia inteiro, um advogado aparece de lugar algum para abrandar sua pena. Enquanto isso, ela negligencia a todos, porém sempre com um sorriso no rosto, enquanto dispara uma tirada sarcástica ou canta algum verso de música country na belíssima voz da atriz. Quem poderia resistir, certo? Narrativamente falando, no entanto, a relação entre Rose e o resto do mundo soa um tanto abusiva.

Apesar desta configuração, o diretor Tom Harper se esforça em retratar esta atmosfera dentro dos moldes do drama social sóbrio, focado nos dias nublados de Glasgow, em pequenos apartamentos do subúrbio onde moram funcionários de classe média-baixa. A apresentação da vida desprivilegiada não é incomum a narrativas sobre ascensões meteóricas, pelo contrário: de quanto mais baixo sair a nova estrela musical, mais espetacular parecerá sua escalada rumo ao sucesso. Felizmente, o cineasta atenua a vertente “nasce uma estrela”, diluindo a promessa de sucesso instantâneo enquanto evita a meritocracia inerente ao subgênero. Mesmo ouvindo diversas frases inspiradoras ao longo do filme (“Não há nada que você não possa fazer. O seu momento é agora”, “Quando você se dedica, consegue fazer qualquer coisa”), Rose se depara com uma estrada mais agridoce do que se esperaria da mulher cujo destino, desde a primeira cena, aponta ao estrelato.

As Loucuras de Rose articula-se portanto entre a comédia e o drama, entre a espontaneidade incontrolável da protagonista e o caráter taciturno das figuras ao redor. A cada nova sugestão de que o sonho de cantora se tornará realidade, algum empecilho da vida cotidiana (a falta de dinheiro, quiproquós envolvendo os filhos) a conduz novamente à condição de mãe solteira, desempregada e ex-presidiária. O drama efetua esforços consideráveis para eliminar os principais clichês do gênero: Rose jamais é movida pelo amor romântico a um homem, e a grande maioria das personagens que conduzem a trama são mulheres fortes, determinadas, ao invés da tradicional figura dos patrões, pais e maridos. A cantora convive com a mãe dela (Julie Walters), uma avó responsável e trabalhadora e com a patroa generosa da casa onde faz faxina (Sophie Okonedo), além da dona do bar, as vizinhas etc. Na ausência de figuras masculinas confiáveis, são as mulheres que gerenciam a periferia escocesa.

No entanto, o resultado é prejudicado pelo esquematismo, devido à dificuldade de conciliar vida profissional e vida afetiva/familiar. A narrativa se articula através da impossibilidade de ser bem-sucedido em ambos: para se tornar uma grande cantora, Rose precisa desdenhar dos filhos pequenos; para ser uma boa mãe, precisa abrir mão dos sonhos artísticos. O discurso move-se por blocos dicotômicos: as pessoas são ou selvagens e destemidas (como Rose), ou comportadas e responsáveis (como a avós e as vizinhas); ou seguem seus sonhos sem olhar para trás (os artistas de Nashville), ou se contentam em desempenhar um trabalho repetitivo e triste durante a vida inteira (a avó, novamente). Na ânsia de criar um filme sobre a força e a capacidade das mulheres, o drama ainda se atém à visão arcaica da dupla responsabilidade feminina irreconciliável.

Mesmo com toda a ajuda do mundo ao redor, Rose sofre com o peso de ser mãe e artista – e não seria a conclusão, com uma guinada mágica e conciliatória, que resolveria este dilema de modo verossímil. Ao menos, diante de uma premissa inicial bastante previsível, o filme consegue fornecer algumas bifurcações, postergar a recompensa prometida, lançar pistas falsas (o produtor, a viagem para Nashville). O desfecho ainda carrega todo o otimismo que se esperaria do feel good movie, que começa e termina com melodiosas baladas country, contagiadas pelo sorriso e a impulsividade de sua “Rosa selvagem” (no título original). Na difícil empreitada de subverter um gênero sem estragar os prazeres pelos quais é conhecido, os criadores atingem um resultado respeitável.

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Crítico de cinema desde 2004, membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema). Mestre em teoria de cinema pela Universidade Sorbonne Nouvelle - Paris III. Passagem por veículos como AdoroCinema, Le Monde Diplomatique Brasil e Rua - Revista Universitária do Audiovisual. Professor de cursos sobre o audiovisual e autor de artigos sobre o cinema. Editor do Papo de Cinema.
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