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Sinopse

Pi Patel é o filho do zelador de um zoológico localizado em Pondicherry, na Índia. Sua família decide se mudar para o Canadá, viajando a bordo de um imenso cargueiro. Quando o navio naufraga, Pi consegue sobreviver em um barco salva-vidas. Perdido em meio ao oceano Pacífico, ele precisa dividir o pouco espaço disponível com uma zebra, um orangotango, uma hiena e um tigre de bengala chamado Richard Parker.

Crítica

As Aventuras de Pi é simplesmente um dos filmes mais espetaculares e inacreditáveis de 2012. E muito provavelmente isso é tudo que o espectador precise saber antes de ir, de fato, ao cinema conferir este emocionante conto de amizade e sobrevivência. Temos aqui uma lição de vida e respeito a todos os seres vivos que, ao lado dos homens, fazem parte deste planeta que nos acostumamos a chamar de Terra. Irretocável, se compara à poucos outros longas desta temporada. Grandioso, moderno, tecnológico, plasticamente arrebatador, visualmente inspirado, dignamente interpretado e narrado com uma maestria assustadora. É cinema em caixa alta e com todas as letras. Talvez o longa-metragem mais completo do ano, pois funciona sob qualquer ponto de vista que se deseje encará-lo: como entretenimento, pelo conteúdo relevante ou mesmo tendo sua profundidade psicológica como foco. Uma obra que ficará marcada na memória de qualquer um que com ela entrar em contato como um das mais belas já feitas.

Este é o filme que ficará conhecido como “aquele do menino com o tigre no mesmo bote”. Esta sinopse, ao menos para nós, brasileiros, não é tão estranha. Trata-se da mesma do livro Max e os Felinos, escrito em 1981 pelo gaúcho Moacyr Scliar e que serviu de inspiração para o autor espanhol Yann Martel construir seu best seller Life of Pi (A Vida de Pi). A adaptação cinematográfica, conduzida pelo diretor oscarizado Ang Lee, combina os mesmos elementos já revelados em trabalhos anteriores do cineasta, como a delicadeza de O Segredo de Brokeback Mountain (2005), a força narrativa de O Tigre e o Dragão (2000), a ironia inteligente de Tempestade de Gelo (1997) e a perspicácia audaciosa de Razão e Sensibilidade (1995), apenas para ficarmos nos mais conhecidos. Dessa vez ele consegue combinar tudo isso e ainda ir além, adicionando um viés emocional muito forte, que envolve e comove de forma arrebatadora. É praticamente impossível não se deixar levar pela história que está sendo contada, por mais surpreendente que ela seja.

Pi Patel (Irrfan Khan, de O Espetacular Homem-Aranha, 2012) é um bem sucedido professor indiano que mora no Canadá com sua família. Ele é procurado por um jornalista (Rafe Spall) que ouviu falar de uma história absurda vivida pelo seu interlocutor. Caso a ache convincente, ele pretende transformá-la no seu próximo livro. Disposto a contar apenas a verdade, Pi promete narrar os fatos tais quais eles aconteceram. E assim começa As Aventuras de Pi, mostrando o que passa quando uma tempestade abate um navio em pleno Oceano Pacífico. Nele se encontra uma família vinda da Índia que pretende buscar uma melhor condição social num novo país. Eles estão acompanhados de todas as suas posses – os animais do zoológico que possuíam. Com o naufrágio, sobrevivem apenas o filho mais novo – Pi (agora interpretado pelo novato Suraj Sharma, uma verdadeira revelação) e cinco diferentes bichos: uma zebra, uma hiena, um orangotango, um rato e um tigre! Todos tendo apenas um mero bote para permanecerem vivos.

O mais surpreendente de As Aventuras de Pi é que, apesar deste enredo, numa primeira vista, não fazer o menor sentido – é de se imaginar de imediato que os animais irão comer um ao outro e que ninguém sobreviverá para contar história – o que vemos em cena, no entanto, é lógico e compreensível. A forma como cada uma das relações irá se dar é tão natural quando reveladora, mostrando facetas que mesmo os mais perspicazes se pegarão surpresos. Outro fator que merece uma atenção especial é como é elaborada a construção do personagem principal, desde sua infância até o clímax após passar pela tormenta em condições nunca antes imaginadas. Entendemos seu humanismo, suas ligações com o universo ao redor e nos sentimos como parte disso tudo. Aí está o verdadeiro mérito do filme: conseguir com tamanha eficiência nos colocar no lugar do protagonista, como se fossemos nós mesmos a passar por este relato mágico e transformador.

Desde Avatar (2009) ou, talvez, A Invenção de Hugo Cabret (2011), não se via um uso tão perfeito da tecnologia em 3D como em As Aventuras de Pi. A técnica nos coloca, de fato, no centro da ação, transportando-nos para as mesmas situações enfrentadas na tela. Sem falar no ganho fantástico que é oferecido à fotografia do chileno Claudio Miranda (indicado ao Oscar por O Curioso Caso de Benjamin Button, 2008), tão encantadora que chega a faltar adjetivos para descrevê-la. Pi perdeu tudo – amigos, família, sua terra natal – e lhe resta apenas um feroz predador, aquele que pode significar seu fim, mas também seu começo. A questão do ponto de vista ganha novas interpretações, e como estes dois passarão de inimigos para formarem duas partes de um todo quase indivisível aponta para o maior mérito do roteiro de David Magee (indicado ao Oscar por Em Busca da Terra do Nunca, 2005), composto com uma simplicidade merecedora de muitos aplausos.

Na maioria das vezes o cinema faz uso do seu poder de ilusão e magia para transportar o espectador para longe da sua própria realidade, como uma válvula alienadora de escape e prazer momentâneo. As Aventuras de Pi também faz isso, porém com o grande diferencial de, após este passeio, conduzir o mesmo observador de volta ao ponto inicial de encontro, mas neste momento já transformado e evoluído. Trata-se de um filme que propõe uma viagem singular e circular, mostrando o quão estamos todos conectados e como cada esforço individual pode fazer diferença neste nosso universo. Bonito, singelo, emocionante e único. Para fazer e ficar na história, principalmente naquela feita diariamente por cada ser deste mundo incrivelmente vasto composto por todos nós.

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
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