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Sinopse

Michael Stone é um autor de sucesso, com uma família unida e uma carreira prestigiada. Mas está incomodado com a sua rotina. Durante uma viagem a Cincinnati para dar uma palestra, ele conhece Lisa, uma despretensiosa representante de vendas por quem se apaixona.

Crítica

Mona Lisa. Anomalia. Lisa. Todas estas expressões revelam significados e servem de pistas para o que Charlie Kaufman tem a dizer em seu novo filme, Anomalisa. O roteirista vencedor do Oscar por Brilho Eterno de uma Mente sem Lembranças (2004) estava desde Sinedóque, Nova York (2008) – longa que marcou também sua estreia como realizador – sem ter seu nome associado a uma grande produção. Sete anos se passaram e agora ele retorna, não apenas assinando o roteiro, mas também a direção, desta animação em stop motion extremamente simples e, ainda assim, absurdamente sofisticada. Diz-se muito pouco, em somente 90 minutos, mas é impressionante o quanto se retém com o espectador após o seu término. Este é um legítimo caso daquelas obras que só tendem a crescer após sua conclusão.

O universo animado, aliás, tem sido um espaço confortável para cineastas buscarem novas referências e assumirem desafios mais excitantes. Foi assim como Wes Anderson (O Fantástico Sr. Raposo, 2009) e com Guillermo Del Toro (Festa no Céu, 2014, do qual é produtor). Agora chegou a vez de Kaufman, que dá esse arriscado passo não sem antes se precaver: ao seu lado, como codiretor, está Duke Johnson, profissional de longa experiência no formato – é dele, por exemplo, o memorável episódio da série Community (2009-2015) em que todos os personagens são transformados em bonecos de massinha. Juntos eles conduzem a audiência pela sofrida jornada do protagonista, Michael Stone (voz de David Thewlis), um homem em busca do mais complicado dos sentimentos: amor.

Muito do charme do quadro desenhado por Leonardo da Vinci se dá pela expressão enigmática da personagem, da qual pouco se descobriu com o passar dos séculos – estará ela feliz, triste, resignada, na expectativa? Assim também está Stone, um importante palestrante motivacional que parece, ironicamente, ter perdido a vontade de viver. Não que tenha pensamentos suicidas – apenas não vê mais graça em nada. Isso se percebe, principalmente, pelas interações com as pessoas que vão surgindo em seu caminho – todas, sem exceção, soam exatamente iguais (e compartilham da voz de Tom Noonan). Tudo parece mudar quando, no hotel em que se hospeda para a palestra que dará no dia seguinte, acaba conhecendo Lisa, a única dona de uma voz própria (cortesia de Jennifer Jason Leigh). Ela é tímida, desajeitada, gordinha e com uma cicatriz no rosto. E, ainda assim, lhe preenche o coração como nenhuma outra.

Mas há mais se debatendo no interior de Michael Stone. Ele abandonou sua primeira paixão, trata com desdém a família que tem hoje – mulher e filho – e parece não se preocupar nem mais com a profissão que inventou para si. Seu vazio existencial é tamanho que o choque de algo novo poderia lhe causar reações extremas. Quem nunca ouviu a expressão “de cair o rosto”? Pois é isso, literalmente, que está prestes a acontecer ao protagonista. Mas terá ele, de fato, este destino? Ou essa impressão mesmerizante do mundo não seria antes um reflexo de sua própria apatia, ao contrário de ser provocada pelos demais? Enfim, o problema estaria nele ou nos que o rodeiam?

Quem conhece a obra de Charlie Kaufman já imagina que nenhuma resposta será concedida facilmente. Anomalisa, assim como o segredo estampado no rosto da pintura clássica, também carrega seus mistérios sob a luz dos acontecimentos, permitindo que cada um dos observadores chegue a sua própria conclusão. O diferencial, no entanto, é que esta curiosa abordagem se dá através de uma singular sensibilidade, envolvendo os personagens e dotando-os de uma propriedade que os eleva da mera criação ficcional – reforçado pelo caráter intrínseco à animação – para dignificá-los com uma humanidade sem par. Um feito nada fácil, mas que aqui é atingido com objetividade e impressionante segurança.

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
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