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Sinopse

Aleksi é a herdeira de uma grande vinícola, e artista com sonho de se tornar fotógrafa profissional. No entanto, ela leva uma vida inconsequente, fugindo às obrigações e saindo com vários homens. Quando a família a chama de volta à cidade natal, ela precisa decidir seu futuro.

Crítica

É difícil levar ao cinema a trajetória de mulheres realmente livres. As figuras femininas que fazem sexo com quantos homens desejam, sem a intenção de se casarem nem terem filhos, sofrem inúmeras restrições da parte de financiadores, produtores e do sistema audiovisual em geral. Quando passam pelas malhas da indústria, convertem-se em antiexemplos sacrificados na conclusão (vide a personagem Samantha, vítima de um câncer no desfecho de Sex and the City, em 2004) ou se redimem pela descoberta repentina do prazer em se tornarem namoradas exclusivas ou mães de família (caso de várias obras cristãs, a exemplo de Lar Doce Lar... Ou Não, 2020). Em entrevista ao Papo de Cinema, Virginie Verrier narrou a trajetória hercúlea para viabilizar A Poucos Passos de Paris (2018), comédia dramática sobre uma mulher de sexualidade livre. A cineasta israelense Hagar Ben-Asher despertou um verdadeiro escândalo ao se colocar no papel de uma heroína que faz sexo com todos os homens de seu vilarejo, inclusive aqueles casados, por simples prazer em The Slut (2011). O cinema comercial e independente manifesta dificuldade em aceitar que estas mulheres tenham um final feliz.

Aleksi (2018) tenta se inscrever na linha de figuras femininas empoderadas, libertárias e libertinas. A cineasta Barbara Vekaric enxerga na personagem-título uma eterna adolescente, apesar dos 28 anos de idade. Ela brinca de pular na cama; escova os dentes enquanto anda pela casa, derrubando baba pelo chão; dorme até tarde e perde compromissos importantes. Esta estudante de artes, que jamais conclui qualquer faculdade, além de aspirante a fotógrafa que evita tirar fotografias, considera a si mesma “promíscua”. Curiosamente, dormiu com poucos homens, porém seduziu vários, e beijou tantos outros. Aleksi faz apenas o que lhe interessa, quando lhe convém. Ela demonstra pouco afeto pelos pais ricos e generosos, e pelos amigos encontrados no caminho. Neste caso, o despojamento representa inconsequência, ao limite do desvio de caráter – a personagem rouba uma motocicleta, e declara-se autora da obra de arte alheia. Para a diretora, é fundamental que esta figura transgressora ultrapasse todos os limites da moral, não apenas aqueles relacionados ao corpo e aos relacionamentos. A jovem despreza qualquer forma de laço social duradouro.

Tihana Lazovic oferece ótima interpretação desta mulher tão propícia à rejeição do público médio. Ela transita entre a infantilidade, o deboche e uma leveza etérea, como se Aleksi estivesse sempre ausente, pensando em outra coisa. A protagonista faz sexo com três homens distintos, todos apaixonados por ela, e se diverte durante o ato. No dia seguinte, sequer se lembra deles. A atriz evita a possível leitura de maldade, malícia ou provocação: a heroína age por impulso. Ela afeta a vida de diversas pessoas, porém sem a intenção de magoá-los. Vekaric constrói esta narrativa na forma de um fluxo contínuo, destituído de conflito central. Afinal, esta figura sem trabalho, estudo, namorado ou qualquer outra forma de compromisso pode passear livremente pela cidade, encontrar quem quiser, almoçar no primeiro restaurante que desejar. As cenas se sucedem por acaso, sem relação de causa e consequência: após sair da casa de Goran (Goran Markovic), ela se depara com uma roda de jovens bebendo no cais, e rapidamente se junta a eles, antes de começar a beijar as garotas do grupo. Ao acordar, tromba com o americano Christian (Jason Mann), e o acompanha durante o dia. Em termos de atmosfera, o filme se assemelha às vanguardas francesas dos anos 1960, com personagens desimpedidos passeando sem rumo pela cidade, durante o dia.

Talvez este recurso aproxime a sessão de uma obra de um panfleto turístico da Croácia. O drama apresenta uma sucessão de vinhedos, praias paradisíacas, estradas pitorescas e becos floridos por onde transitam solícitos e românticos habitantes. A diretora se atém ao mundo de classe média-alta, onde o dinheiro nunca constitui um problema. Enquanto a montagem trabalha com eficiência as elipses (os saltos temporais são quase invisíveis, impossibilitando saber em quanto tempo exatamente se passa a trama), multiplica menções ao corpo desregulado desta mulher. Aleksi faz xixi no mato, em seguida, um homem faz xixi nela. Ela se masturba na cama de sua infância, invade uma praça de madrugada para fazer sexo com Toni (Sebastian Cavazza), antes de mudar de ideia em pleno ato. Depois, se despe para nadar nua na lagoa, se embriaga, vomita, baba, faz xixi de novo (e de novo). Todas as transformações passam pelo corpo, em relações orgânicas de fluidos e secreções. A protagonista carrega um aspecto animalesco, o que resulta, simultaneamente, no desprendimento de medo, na selvageria e na noção de perigo.

Infelizmente, rumo ao final, este animal corre o risco de ser domado. A roteirista opta por uma conclusão em aberto: ela vai enfim assumir o controle da vinícola e escolher um único homem? Vai se dedicar às fotografias profissionais, ou manter a sucessão de noites casuais? Embora o espectador possa projetar a leitura desejada, Vekaric favorece a possibilidade de Aleksi se render aos códigos sociais, compreendidos como forma de maturidade. Neste caso, a postura libertária corresponderia à rebeldia adolescente, abandonada em prol de uma conduta responsável. A jovem aceita jogar pingue-pongue com o pai, aceita um cargo fixo, acena à ideia de eleger um pretendente único. Não há sinal definitivo de mudança, porém nota-se a abertura ao prazer da conformidade com imposições patriarcais. O projeto tão leve, capaz de aceitar a protagonista sem julgá-la por seus atos, anuncia ironicamente um horizonte de restrições. Esta poderia ser uma das obrigatoriedades impostas à autora para viabilizar seu filme, ou uma crença sincera da cineasta na purificação da mulher de excessos. De qualquer modo, o discurso se contradiz na reta final, com medo de assumir radicalmente tanto a sexualidade desenfreada quanto o retorno à monogamia. Aleksi fica no meio do termo, cabendo ao espectador decidir se este constitui um final feliz.

Filme visto online no Especial 10 Anos do Festival Internacional de Cinema em Balneário Camboriú, em abril de 2021.

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Crítico de cinema desde 2004, membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema). Mestre em teoria de cinema pela Universidade Sorbonne Nouvelle - Paris III. Passagem por veículos como AdoroCinema, Le Monde Diplomatique Brasil e Rua - Revista Universitária do Audiovisual. Professor de cursos sobre o audiovisual e autor de artigos sobre o cinema. Editor do Papo de Cinema.
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