Crítica


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Sinopse

Durante uma trilha por uma mata fechada, uma estudante acaba pegando o caminho errado. Sua vida corre risco quando ela cruza o caminho de dois foragidos da justiça.

Crítica

Águas que Corroem é um filme bem intencionado em sua origem, e por isso é difícil não insistir em sua narrativa, perseguindo um espírito de melhora que, por maior que seja a esperança, não chega a se manifestar. Pois, a despeito das vontades que agrupa nos bastidores, o que se encontra diante da tela é tão canhestro e amador que o mais complicado é evitar uma reação que vá do mero constrangimento ao sentimento de ofensa e revolta. Os problemas, que já começam no título nacional – Rust Creek é apenas o nome do lugar onde a trama se desenrola, e não há nada de definitivo no riacho próximo, a não ser que se leve a sério um ato final que transita próximo ao embaraço – passam pelas atuações e chegam até às construções dos personagens, muitos agindo pelo simples fato de que é o esperado pelos estereótipos que tentam defender sem muito esforço, como também pela absoluta ausência de um desenvolvimento mais elaborado. Em um contexto que prima pelo artificial, mesmo o córrego ao lado parece fundo demais frente à tamanha superficialidade.

Entre os que se debruçarem sobre como tal projeto se tornou capaz, chamará atenção o fato deste ser dirigido por uma mulher (Jen McGowan, que comandou um episódio da série Além da Imaginação, 2020), roteirizado por outra (Julie Lipson, que só havia trabalhado com curtas até então) e perseguido essa paridade na equipe técnica, como uma diretriz da produção. Mas do que adianta um movimento nessa direção, quando o que se vê em cena é não apenas misógino, mas também limitado e desenhado no sentido de reforçar velhos e desgastados clichês? Pois o que se tem aqui é mais um enredo que se esconde por trás de um discurso contraditório. A despeito de contar com uma garota como protagonista, a esta resta apenas sofrer, ser maltratada e, enfim, salva, em todos os casos pelos homens que se veem ao seu redor.

Através de um prólogo por demais explicativo – aliás, o didatismo do roteiro é de enervar até os mais pacientes – o espectador irá descobrir que Sawyer (Hermione Corfield, de Contágio em Alto Mar, 2019) é uma aluna tão eficiente que acaba de receber uma proposta de emprego em Washington, há algumas milhas de distância de onde se encontra. Como num estalar de dedos, arruma suas coisas, pega o carro e parte rumo à entrevista que poderá garantir seu futuro. No caminho, liga o rádio no exato momento em que o noticiário informa sobre uma obstrução no trânsito, a obrigando a seguir por uma rota alternativa. Bom, a partir desse ponto fica fácil adivinhar o que irá acontecer: o GPS lhe dará indicações que terminam por deixá-la perdida. Ao invés, no entanto, de simplesmente retornar na direção contrária, prefere se focar num mapa de papel e estudá-lo no meio de uma estrada deserta, em cima do capô, do lado de fora do automóvel. Não será surpresa que os primeiros a encontrá-la sejam dois rapazes que logo deixam de lado uma fingida simpatia para partir em uma perseguição violenta pela mata densa.

Entre cenas que causam impacto visual, mas nada acrescentam à história (qual é a do cara que toma banho de leite no meio da sala?) e figuras previsíveis (um policial corrupto? Um estranho de bom coração? Sério?), o que mais incomoda em Águas que Corroem, no entanto, é mesmo a falta de técnica e de experiência dos realizadores. As cenas de conflitos físicos, por exemplo, são tão mal decupadas que suas montagens resultam em um exercício vazio de emoção, pelo qual mal se entende ao certo o que está acontecendo. Ao invés de aprimorarem o conjunto, a solução que encontram são diálogos reiterativos, cuja função é descrever o que deveria ser apenas visto, e não ouvido como reforço. Isso sem esquecer da protagonista, que quando sozinha fica falando consigo mesma, antecipando cada ação e deixando claro o quanto subestimam o poder de percepção da audiência.

Quase como uma comédia de erros, o que se verifica é uma sucessão de equívocos: depois de ameaçada, foge dos agressores, é resgatada pelo mais inesperado dos moradores locais, e acaba no meio de uma negociação escusa de tráfico de drogas, envolvendo autoridades e marginais. Num retrato em que todo interiorano é abusador e ignorante, a menina se vê em busca de ajuda e ninguém por perto é digno de confiança, não chega a ser mistério como tal bagunça encontrará seu desfecho. Assim, Águas que Corroem termina tal qual começou, de forma gratuita e desprovida de sentido, como se seu propósito fosse se bastar em si mesmo. Não avança em nenhum debate, reforça uma visão ultrapassada e ainda é pobremente executado, tanto no desempenho dos supostos intérpretes – tão forçados que beiram o amadorismo – como também nas questões técnicas, como iluminação (impossível identificar a mudança de tempo, uma vez que a luz é sempre igual e sem nuances) e trilha sonora (que ao invés de propor, somente reforça os eventos). E se a soma desses equívocos talvez fosse apenas decepcionante, há ainda uma identidade perniciosa em uso. A mira poucas vezes esteve tão fora do prumo.

 

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
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