Crítica


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Sinopse

Uma exploração das muitas maneiras de crescimento pessoal em busca de um significado na vida. Sessões de terapia com animais, treinamentos para liderança, palestras sobre felicidade em escolas e uma criadora de conteúdo de ASMR: há um significado maior nesses hábitos modernos?

Crítica

“A cada semana, dez igrejas são fechadas na Holanda. Ainda assim, as pessoas continuam procurando por um senso de propósito em suas vidas”. A afirmação feita por um palestrante de coaching estabelece um paralelo essencial ao documentário Agora Algo Está Mudando Lentamente, da holandesa Menna Laura Meijer, que se propõe a observar diversas formas de busca por crescimento pessoal, que vão desde sessões de terapia em grupo com metodologias variadas, e muitas vezes inusitadas – acariciar porcos, escalar árvores, fazer exercícios de respiração – a treinamentos oferecidos a policiais e a executivos de grandes empresas. Apesar de, a princípio, poderem parecer dissociados, todos esses métodos servem a um objetivo comum, comparável à busca pela elevação espiritual através da religião, e expõem muitos dos principais anseios e angústias da sociedade contemporânea, como o estresse crônico, a pressão por diferenciação imposta pelo mercado de trabalho ou a necessidade da noção de pertencimento a um âmbito coletivo.

Desde o princípio, Meijer assume o papel de observadora passiva, salientado pela rigidez formal que imprime ao seu trabalho. Abdicando de muitas das ferramentas narrativas típicas da linguagem documental, como as entrevistas e imagens de arquivo, o longa é constituído integralmente de planos fixos – sempre prezando pela harmonia e beleza plástica na composição dos enquadramentos – que registram as sessões, exercícios e palestras mencionados anteriormente. Sua câmera estática mantém ainda uma distância considerável dos protagonistas de tais atividades, exceção feita à participação de uma youtuber de conteúdo ASMR (Resposta Sensorial Autônoma do Meridiano), que fala/sussurra e interage diretamente com a câmera – emulando uma experiência em primeira pessoa para seu público. Dessa forma, o longa coloca o espectador em uma posição voyeurística, como se observasse as cobaias de um experimento científico ou uma pesquisa de grupo focal do outro lado de um espelho falso.

Esse distanciamento imposto por Meijer acaba surtindo efeitos distintos. Por um lado, se mostra salutar, contribuindo para um registro mais natural, sem interferências ou direcionamentos externos. Ao mesmo tempo, quando combinado à fragmentação da estrutura narrativa, termina por enfraquecer a possibilidade de conexão mais profunda tanto com os personagens desse estudo de observação e seus dilemas particulares quanto com as próprias técnicas apresentadas, gerando uma sensação de superficialidade. O minimalismo geral da abordagem faz ainda com que o trabalho de montagem se apresente como instrumento quase exclusivo de construção imagética, e este, ainda que capaz de sustentar uma dinâmica equilibrada na maior parte do tempo – com alguns momentos de monotonia – não traz uma ordenação clara de tópicos, de progressão de raciocínio, por vezes transmitindo certa aleatoriedade. Enquanto, por exemplo, determinados casos são revisitados constantemente, como o da garota com relacionamentos problemáticos com os homens, outros, como o do conselheiro sexual, são relegados a relances de meros segundos dos quais pouco pode ser realmente extraído.

E mesmo nos casos mais investigados, como o primeiro citado, a quebra narrativa faz com que se perca o impacto emocional da resolução apresentada. Dessa forma, Agora Algo Está Mudando Lentamente se torna muito dependente do poder analítico do espectador, para que este seja capaz de fazer uma leitura interpretativa mais minuciosa dos detalhes captados pelas câmeras. De toda maneira, o trabalho de Meijer não deixa de abrir espaço para debates urgentes e de interesse na sociedade atual – como sobre os jovens bombardeados por informações e que desejam abraçar simultaneamente inúmeras atividades e causas sem, de fato, se dedicar profundamente a nenhuma, ou sobre a necessidade de padronização e categorização de pessoas e comportamentos contida na cultura do coaching – lançando ainda um olhar crítico, por vezes até cínico, mas nunca debochado, sobre certas questões – em particular, a da real validade de tais métodos.

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é formado em Publicidade e Propaganda pelo Mackenzie – SP. Escreve sobre cinema no blog Olhares em Película (olharesempelicula.wordpress.com) e para o site Cult Cultura (cultcultura.com.br).
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