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Sinopse

Por meio de uma narrativa visual inventiva e intrigante, o filme explora a imagem e a linguagem.

Crítica

O novo filme de Jean-Luc Godard é uma experiência que vai de interessante à tediosa em segundos, às vezes de um plano para o outro. Não se pode dizer que o veterano francês rendeu-se ao 3D, hoje quase uma imposição mercadológica alinhada ao conceito de blockbuster. Outros cineastas autorais já flertaram com o formato, buscando explorar suas potencialidades estéticas, que não são poucas. Nesse sentido, porém, nenhum deles obteve êxito equivalente ao de Godard. Assistir a Adeus à Linguagem em formato tradicional, sem os famigerados óculos que ajudam a acessar a tridimensionalidade, certamente nos priva do que ele tem de mais forte e impactante. Não há propriamente uma trama, as conversas são fragmentos desconexos que evidenciam os personagens de carne e osso quase como desnecessários, no máximo portadores de um discurso verborrágico emoldurado pelo que realmente importa. E o que realmente importa é a forma, justamente a linguagem.

Um homem e uma mulher falam sobre o estado das coisas, mencionam aleatoriamente o nazismo, parecendo autômatos interagindo em busca de uma verdade superior, como se a política e a natureza evocada constantemente pelas imagens fossem indissociáveis. Quando não carregados dessa pretensão à ascese, os diálogos expõem o ridículo e o patético. Exemplo disso, a cena em que o homem, defecando em frente à mulher nua, considera o ato de evacuar como instante em que todos se igualam, independentemente da condição social, credo e ideologia. Os corpos passeiam pela tela sem destinos nem porquês. Em Adeus à Linguagem, o mais importante é como se vê. Brilhante a percepção de Godard, a generosidade de dar ao espectador, por meio do 3D, o poder de escolher quem enxergar durante um colóquio, para isso bastando apenas alternar o fechamento de um dos olhos. Poucas cenas foram tão inteligentemente concebidas como essa nos últimos anos.

Godard é capaz de construir o mais belo e o mais feio dos planos. Essa relação de convivência, de um lado a imagem exuberante e do outro a de extrema pobreza, evidencia o domínio do artista sobre a tela na qual pinta o mundo. Adeus à Linguagem é um filme que vale pela roupagem, deixando muito a desejar na esfera fora da técnica pura e simples. O cão, verdadeiro protagonista, elo entre a natureza selvagem e a civilizada, tem sua presença explorada num âmbito poético, algo que não se repete com os humanos banais. Não são poucas as passagens em que nos pegamos torcendo para que Godard continue mostrando sua incomum habilidade de utilizar o 3D como ferramenta efetiva de criação artística, ou, no outro extremo, para que tudo acabe de uma vez. De determinado ponto em diante, o esgotamento traz consigo boa dose de tédio, algo crescente à medida que o longa abandona a beleza, a diversidade das texturas, focando-se excessivamente na abstração e no vazio.

O uso do 3D confere um relevo diferente aos corpos. Quando detido em apresentar o que pode fazer com o (para ele) novo brinquedo das três dimensões, ou mesmo em reiterar sua grande capacidade de criador, Jean-Luc Godard nos brinda com instantes de muita força visual. Entretanto, mesmo deliberadamente relegado a pormenor, o conteúdo, de ressonância praticamente insignificante, está lá como agente que traga o filme para um buraco negro de hermetismo autoproclamado e autocelebrado. Os diálogos, verbais e físicos, possuem a mesma insipidez de muitas imagens que o cineasta nos oferece do meio para o fim, em contraposição a tantas outras anteriores, bem mais significantes. Adeus à Linguagem é um exercício com diversas camadas e pontos de importância, mas, ainda assim, no todo, se apresenta como algo muito difícil de transpor sem fastio, sobretudo depois que os truques já estão postos e devidamente assimilados. Assistir em 2D, então, não é nem um pouco aconselhável.

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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.

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