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Sinopse

Um casal de atores de teatro, ele sem talento e ela reconhecida por sua arte, dividem o mesmo palco em uma peça consagrada, ao mesmo tempo em que tentam acertar as coisas em casa. Para tanto, recorrem a um psicanalista, que rompe o sigilo profissional ao revelar para ela as confissões do esposo.

Crítica

Nesta tragicomédia, os cenários e os atores se comportam de modo teatral, um tanto falso, mas o filme sabe disso e brinca com essa configuração – vide o início, ostentando os créditos “uma fábula de Domingos Oliveira”, além de um letreiro descrevendo o protagonista, um “homem sério, fingindo que não é sério”. Os recursos de iluminação, som e montagem são bastante simples, ao limite do caseiro, mas o projeto também está plenamente consciente deste fator, escancarando as suas falhas em propósito cômico. A questão do “homem duplicado” (o subtítulo do projeto é doppelgänger) aparece de modo abrupto, um tanto absurdo, algo de que os criadores também possuem plena ciência.

Aconteceu na Quarta-Feira constitui um desses casos particulares de um filme muito fraco em suas vertentes narrativas, estéticas e discursivas, no entanto alegremente orgulhoso de suas falhas. Pela autoconsciência – ou seria autocondescendência? – pretende ser divertido, inteligente e, por extensão, de boa qualidade. Ou seja, este seria um filme bom por ser fraco e ter consciência de sê-lo. Na impossibilidade de uma produção rebuscada, ao menos se passaria por uma brincadeira humilde, sincera, despretensiosa – virtudes que, convenhamos, cabem bem a um projeto de baixíssimo orçamento. O filme busca utilizar as fraquezas a seu favor, como se solicitasse ao espectador certa clemência em relação aos óbvios problemas que encontrará pela frente.

Ora, o problema surge em se contentar com a astúcia comumente atribuída às manifestações da metalinguagem no cinema. O falecido Domingos Oliveira, nos últimos anos em atividade, produziu uma série de exercícios mais ou menos ambiciosos em termos de linguagem, e este parece ser um dos mais despojados, por brincar apenas com três personagens em cena, movendo-se através de improvisos, numa trama rocambolesca que jamais faz questão de convencer quem quer que seja. Pelo formato mais quadrado da imagem, se assemelha a um produto concebido para a televisão, ainda que chegue aos cinemas cariocas. A duração enxuta (70 minutos) sugere que a narrativa tenha sido esticada até se atingir o patamar mínimo para a classificação de longa-metragem.

Obviamente, a “política dos autores” à brasileira desempenha um papel fundamental nesta exibição: caso qualquer cineasta iniciante chegasse com um projeto semelhante debaixo dos braços, dificilmente conseguiria um espaço para exibi-lo, e tampouco teria a atenção da imprensa. Oliveira, consagrado por tantas crônicas sociais e amorosas de alta qualidade em sua carreira, adquiriu um salvo-conduto para desempenhar o que quisesse, sendo interpretado com respeito. Após tantas comparações a Woody Allen, ele leva a associação a outro patamar ao literalmente utilizar os elementos gráficos de letreiros habituais de Allen, incluindo tiradas de jazz entre as cenas, quiproquós amorosos resolvidos através de diálogos irônicos e manifestando uma obsessão tanto pela psicanálise quanto pela figura autodepreciativa do macho fracassado – signos tipicamente allenianos.

Assim, é tentador estabelecer um jogo de comparações entre Aconteceu na Quarta-Feira e tantos outros filmes de Oliveira, além das produções de Allen e de outros veteranos do cinema que exploraram, nos últimos anos, os recursos da sobreposição e da vertigem cênica (Edgar Pêra com Caminhos Magnétykos, Ruy Guerra com Quase Memória). Ao projeto em si, sobra pouco para além dos acenos a si próprio e ao universo ao redor: os monólogos de atores egocêntricos e o forçado triângulo amoroso limitam-se a reproduzir o imaginário popular sobre artistas e terapeutas. Mesmo investindo num terreno fabular, o resultado jamais soa verossímil, ou seja, digno de crença dentro de sua proposta. Priscilla Rozembaum, tradicional colaboradora do cineasta e atriz de evidentes recursos dramáticos, não ganha a oportunidade de desenvolver o aspecto “diva” que o roteiro sugere, enquanto Ricardo Kosovski, no personagem do homem duplicado, se vê privado de cenas em que possa explorar as infinitas possibilidades dramáticas desta premissa – os duplos, no caso, sequer possuem diferenciação entre si.

Resta um projeto que, embora possa parecer leve e despretensioso a alguns, corre o risco de soar apenas amador e pouco empenhado sob outro ponto de vista. O baixo orçamento permite diversas liberdades, mas não justifica tamanho descuido com a iluminação, com a captação e edição de som, com tantos efeitos fracos de pós-produção (as distorções da imagem, por exemplo). Este acaba sendo um filme que, ao invés de se abrir ao mundo e ao cinema de modo mais amplo – comentando as relações contemporâneas entre homens e mulheres, as crises do mundo artístico de modo geral, a situação dos filmes e peças marginais – se fecha sobre si mesmo, em seu universo autorreferencial, suas piadas, sua alusão a outros personagens, a outros filmes, a outros momentos mais ambiciosos e mais recompensadores dentro da vasta carreira do cineasta.

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Crítico de cinema desde 2004, membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema). Mestre em teoria de cinema pela Universidade Sorbonne Nouvelle - Paris III. Passagem por veículos como AdoroCinema, Le Monde Diplomatique Brasil e Rua - Revista Universitária do Audiovisual. Professor de cursos sobre o audiovisual e autor de artigos sobre o cinema. Editor do Papo de Cinema.
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Bruno Carmelo
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Leonardo Ribeiro
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